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Diário da Amazônia

2º Encontro Folha de Jornalismo

Veja o que disseram alguns participantes

Por Assessoria
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Publicado: 21/02/2018 às 17h39min

Diretor do “El País” diz que leitor precisa saber se defender da desinformação

Patrícia Campos Mello

Em um ambiente em que a proliferação das “fake news” ameaça a democracia, a missão do jornalismo de qualidade é criar leitores críticos que saibam se defender da massiva ameaça moderna da intoxicação do sectarismo.

Essa foi a mensagem de Antonio  Caño, diretor do jornal espanhol “El País”, em discurso na abertura do segundo dia do 2º Encontro Folha de Jornalismo, em comemoração do 97º aniversário do jornal e do lançamento do novo Manual da Redação. “Nosso objetivo é criar leitores críticos em relação a nossas próprias informações, reportagens e editoriais, para que se defendam da desinformação; são eles, os cidadãos informados, que devem combater essa praga”, afirmou Caño.

Segundo o jornalista espanhol, não é exagerado calcular que, dentro de dois anos, metade das notícias circulando na internet serão falsas. Isso responde também a um anseio das pessoas, que , mesmo sabendo que as notícias podem ser falsas, continuam compartilhando, porque querem consumir “jornalismo” que confirme seus preconceitos.

“A desaparição da verdade por meio das ‘fake news’ equivale à desaparição do jornalismo e da democracia”, afirmou Caño, apontando que as fake news causaram instabilidade na Espanha, durante o referendo pela independência da Catalunha, no Reino Unido, durante o “brexit”, nos EUA, na eleição de 2016 e na França, na disputa entre Marine Le Pen e Emmanuel Macron.

Mas, segundo ele, é justamente neste ambiente desafiador que fica claro o papel imprescindível desempenhado pelo jornalismo de qualidade. “O jornalismo de qualidade é mais demandado do que nunca, vive uma era de ouro”, disse. “O ‘El País’ nunca teve tantos leitores, tenho certeza de que a Folha também.”

Isso porque essa realidade de pós-verdade “deixa os cidadãos se sentindo desprotegidos, e eles recorrem às publicações em que confiam, em busca de credibilidade. Os grandes jornais vivem hoje um perigo real, mas também têm uma enorme oportunidade.”

O editor espanhol disse admitir que as publicações jornalísticas estão em franca desvantagem em relação aos gigantes tecnológicos como o Facebook e o Google. Além de absorver 90% da publicidade, hoje “Facebook sabe muito mais sobre o leitor do ‘El País’, quanto ganha, suas ambições e projetos, do que nós sabemos, e por isso estamos fazendo esforços para acumular dados que valorizarão nosso tráfego.”

Para ele, isso reforça a necessidade das empresas jornalísticas colaborarem. “Os meios de prestígio precisam colaborar, sem renunciar à concorrência, que nos leva a dar versões diferentes da realidade aos cidadãos, mas colaborar em distribuição, investir em tecnologia, algo que não temos recursos suficientes para fazermos sozinhos.”

Ele não acredita que a regulamentação governamental das grandes empresas de tecnologia ou a fiscalização do governo sobre “fake news” seja uma solução perfeita. “É arriscado outorgar a uma autoridade a responsabilidade de decidir o que é verdade e o que não é, tentando evitar um mal, acabamos caindo em outro, a censura”, disse.

Para ele, construir uma série de muros regulatórios contra as grandes empresas de tecnologia é perigoso. “Na Europa, houve intensa regulamentação de Uber e Cabify, mas isso não impediu o sucesso deles; o necessário é fazer com que os táxis sejam mais limpos, cômodos e amigáveis do que o Uber. Temos que atuar com inteligência.”

Ele afirmou que o Brasil, por ser um dos maiores mercados mundiais para as redes sociais, é também um dos países mais expostos ao fenômeno das “fake news”. E este ano será decisivo para a América Latina, porque haverá eleições importantes no Brasil, Colômbia e México.

Caño sublinhou a importância de um jornal ter uma extensa rede de correspondentes no mundo. “Quanto menos correspondentes tivermos no local, menos credibilidade terá a informação que publicamos”, disse. “Seria lógico dizer que a guerra da Síria se prolonga tanto porque não há correspondentes que a cubram de forma sistemática.”

Caño criticou o uso de freelancers. “Há esses jornalistas que trabalham como se entregassem pizza de acordo com o gosto do cliente, com pepperoni para um, de outro jeito para outro, por mais honestos que sejam, esses jornalistas ganhando US$ 100 aqui US$ 100 ali” têm menos credibilidade.

O diretor do diário espanhol também questionou as iniciativas filantrópicas, cidadãs ou público-privadas de financiar jornalismo. “São todas ainda insuficientes para substituir o sistema de livre empresa que até agora garantiu a liberdade de empresa.”

Segundo ele, a operação do “El País” no Brasil tem 4 anos e 18 jornalistas, sendo 17 brasileiros, e funciona sem departamento de marketing ou campanhas de publicidade, só no boca a boca. “É um trabalho que vamos manter nos próximos anos, seguindo com nossa vocação de jornalismo global.”

Ele elogiou a decisão da Folha de deixar de atualizar sua página no Facebook, que repercutiu na imprensa mundial. “Respeito a decisão de uma publicação que decidiu falar alto com as empresas de tecnologia e tentar mudar o status quo”, disse.

Problema do jornalismo está nas ‘fuck news’, diz Ricardo Boechat

A baixa qualidade de boa parte da produção jornalística atual tem contribuído mais para minar a credibilidade da imprensa do que fenômenos como a proliferação de notícias falsas nas redes sociais, as chamadas “fake  news”, disse o jornalista Ricardo Boechat nesta terça (20), durante o 2º Encontro Folha de Jornalismo.

“Outro dia um ouvinte me disse que o problema está nas ‘fuck news’, o monte de merda que os jornais publicam todos os dias”, afirmou Boechat, que é apresentador do “Jornal da Band” e da rádio BandNews e participou de um debate sobre a cobertura das eleições presidenciais deste ano.

Boechat disse discordar dos comentaristas que apontam as notícias falsas como fator decisivo para a eleição do presidente americano Donald  Trump em 2016. Para ele, a vitória de Trump foi reflexo do momento que a sociedade americana vive, e não da manipulação da informação nas redes sociais.

Para Maria Cristina Fernandes, colunista do jornal “Valor Econômico”, a atuação da imprensa americana oferece poucas lições. Mencionando estudos sobre a cobertura da última eleição presidencial, ela contou que os principais jornais dedicaram mais espaço a articulações políticas e trocas de acusações do que às propostas dos candidatos.

Para o professor Thomas Patterson, de Harvard, autor de um dos estudos que ela mencionou, a cobertura dos jornais americanos contribuiu para corroer a confiança do público no jornalismo, no processo eleitoral e no resultado das eleições, além de fortalecer teses conservadoras, ao não esclarecer as diferenças entre os candidatos e disseminar a impressão de que eram iguais.

Maria Cristina propôs que a imprensa “tome partido do eleitor”, detalhando as propostas dos candidatos e questionando-os sobre os desafios que o país enfrenta, além de diversificar a cobertura, estendendo-a a outras regiões do país para que não fique concentrada em São Paulo, Rio e Brasília.

CREDIBILIDADE

Para o colunista da Folha Joel Pinheiro da Fonseca, políticos e grupos partidários que fazem barulho na internet vão aproveitar o debate sobre as notícias falsas para questionar a credibilidade da imprensa na campanha eleitoral, classificando como “fake news” qualquer notícia desfavorável, ainda que verdadeira.

“Se você pratica o jornalismo com ética e honestidade, tudo bem opinar e tomar partido”, disse Joel. “O perigoso é esse discurso ser usado por blogs e pessoas que estão crescendo na internet sem nenhum compromisso com a honestidade dos fatos.”

Para Boechat, o público está mais interessado na política hoje do que em outras eleições. “A sociedade tomou gosto pela discussão política e está informada sobre mazelas que antes não chegavam ao seu conhecimento”, afirmou, referindo-se às revelações feitas pela Operação Lava Jato desde 2014.

Fonseca observou que o foco em escândalos de corrupção como os que dominaram o noticiário político nos últimos anos alimenta uma “visão muito niilista e cínica” da política e pode contribuir para reduzir a confiança das pessoas nas instituições democráticas.

Mas Boechat discordou. “A esculhambação da política não é culpa das críticas dos jornalistas, mas dos políticos”, afirmou. Classificando as principais lideranças do país como “desqualificadores crônicos”, ele disse que as eleições deste ano oferecem uma oportunidade para corrigir o problema.

Para Maria Cristina, grupos que têm se mobilizado pela renovação da política terão pouca chance de sucesso, por causa das mudanças na legislação eleitoral, que reforçaram o poder dos caciques dos grandes partidos sobre o processo eleitoral. “O próximo presidente terá que lidar com um Congresso controlado por eles, talvez pior do que o atual”, previu.

Consumidor não é bobo, sabe o que é anúncio, diz Nizan Guanaes

O publicitário Nizan Guanaes, sócio-fundador do Grupo ABC, afirmou nesta terça-feira (20) que se preocupa muito mais com a sustentabilidade financeira da imprensa do que com os possíveis excessos cometidos na busca de fontes alternativas de receita e formatos publicitários diferentes.

Guanaes participou da mesa “Igreja-Estado: o que muda com os novos formatos comerciais”, no segundo dia do 2º Encontro Folha de Jornalismo, que celebra o 97º aniversário do jornal e o lançamento da nova versão do Manual da Redação.

Na discussão sobre a importância de ter clara a divisão entre a Redação e a área de publicidade dos veículos, especialmente na elaboração de projetos de conteúdo patrocinado, Guanaes disse preferir que erros sejam cometidos a ver a imprensa imobilizada e insustentável por não buscar de novas receitas.

“Acho os excessos naturais, e a vigilância das pessoas que estão aqui, fundamental”, disse Guanaes, na mesa moderada pelo jornalista Marcos Augusto Gonçalves, repórter especial da Folha. “Mas não acho que devemos olhar separação Igreja- Estado de maneira pediátrica, achando que o consumidor não é capaz de separar editorial de publicidade; consumidor não é bobo, ele sabe o que é anúncio.”

Para Cleusa Turra, diretora responsável pelo Estúdio Folha (área de conteúdos patrocinados do jornal), no entanto, é preciso tomar todos os cuidados para que fique clara essa distinção para o leitor.

“Toda a vez que se publica um conteúdo patrocinado nas páginas do jornal, deixamos bem visível a autoria do Estúdio Folha, projetos patrocinados”, disse Turra. “Se for necessário fazer isso pelos próximo 10 anos, faremos, até que audiência perceba que, se está escrito Estúdio Folha, não veio da Redação.”

Já Daniel Conti, diretor-geral do grupo de mídia Vice Brasil, afirmou que, para o público mais jovem, é nítida a distinção de mensagem comercial e editorial. “Ser autêntico e ser claro é o único cuidado necessário”, diz Conti, que também defende independência da Redação.

Enquanto Turra defende a separação total entre a Redação e a produção de conteúdo patrocinado, que deve sair da área de publicidade do jornal, Conti vê espaço para colaboração dos jornalistas nos projetos. “Os veículos precisam repensar sua estrutura de trabalho para fazer os conteúdos de marca, e isso passa por um processo sinérgico entre equipe de atendimento e células de conteúdo”, diz ele, que prefere usar a expressão “branded publishing”.

“Na Vice, a Redação é envolvida como curadora nos projetos de conteúdo patrocinado, pode apontar qual a temática para determinado projeto, que nomes deveriam ser usados.”

Para Turra, à frente do Estúdio Folha, é impossível a área de conteúdo patrocinado dar certo se estiver vinculada à Redação. “As marcas procuram o combo eficaz, que une conteúdo de credibilidade e audiência qualificada, coisas que a Folha oferece”, diz.

“Mas esse conteúdo não vai sair da Redação da Folha, senão vamos mudar o princípio básico do jornalismo que a Folha quer manter, o de independência editorial.”

No entanto, completa Turra, para manter a independência editorial é preciso que a empresa seja robusta financeiramente. “Por isso, a Folha não pode deixar de estar presente nas grandes discussões das marcas do ponto de vista das verbas publicitárias”, disse.

“As marcas querem engajamento, e, para isso, é necessário ter conteúdo de qualidade, não estamos falando de promoção de vendas no varejo, trata-se de construção de marcas.”

O publicitário Nizan Guanaes acha que a preocupação sobre a divisão entre Igreja e Estado é legitima, mas diz que as fronteiras mudaram. “Não seria esse debate a ser intocável pelas novas fronteiras, esse debate é sadio”, diz.

“E a Folha tem um dos ‘nãos’ mais importantes do mercado, é importante que esses limites existam”, referindo-se a decisões da Folha de rejeitar determinados anúncios ou formatos comerciais.

Questionado sobre o impacto do novo formato sobre a atividade publicitária, Guanaes diz que eles se colidem. “Mas a publicidade não está sentada vendo as coisas caminharem” afirma. “Se nós morrermos, renasceremos com outro corpo. Nós [publicitários] somos Buda.”

 

Para Manoel Fernandes, será impossível combater notícia falsa no pleito de 2018

Em debate sobre a presença de jornalistas nas redes sociais, no 2º Encontro Folha de Jornalismo, Manoel Fernandes, sócio da Bites, empresa de análise de dados no ambiente digital, afirmou que “vai ser impossível combater ‘fake news’ nas eleições” de 2018, vai ser uma “carnificina”.

Foi em reação a uma intervenção de Leonardo Stamillo, diretor editorial do Twitter para a América Latina, que falava do “time dedicado a identificar atividade mecanizada”, de robôs, na plataforma.

Para Fernandes, essa identificação será impossível, não só para o Twitter, mas para Facebook e outras plataformas, porque “já tem gente fazendo perfil falso com inteligência artificial” para impedir identificação.

O mediador da mesa, Roberto Dias, secretário de Redação da Folha, relatou episódio em que o jornal desmentiu uma falsa impressão que viralizou, a de que o cantor Zeca Pagodinho teria recusado se deixar fotografar ao lado do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB).

A colunista Mônica Bergamo relatou ter ocorrido exatamente o contrário: que os assessores do músico resistiram, mas Pagodinho quis, sim, tirar fotografias com Doria.

“A pergunta, a provocação que eu queria deixar é: Nós mesmos, jornalistas, não embarcamos às vezes em acreditar que tudo o que está lá [nas redes] é verdade?”, disse Dias. “A gente não perde um pouco a percepção de que aquilo é, sim, uma bolha, que a gente está vendo uma parte da realidade?”

“Nada substitui o repórter no local certo”, comentou Graciliano Rocha, editor do “BuzzFeed” no Brasil, também na mesa, alertando que “hoje, com as redes sociais, a informação falsa tem maior força para viralizar”.

No entender de Fernandes, da Bites, para enfrentar as “fake news”, “temos que defender o bom jornalismo”. Ele sugeriu estabelecer uma “aliança de empresas” para colocar “em evidência o bom jornalismo”.

Rocha avalia que, depois do “imenso otimismo” suscitado pelas redes sociais na Primavera Árabe, “mesmo entre os jornalistas”, hoje o ambiente é “não apenas de ceticismo, mas de desilusão” com as plataformas.

Já Stamillo enfatizou que é preciso que os veículos e jornalistas tomem consciência das “diferenças entre elas”, citando a presença de “90% dos líderes mundiais” no Twitter e seu papel na difusão de informações de países como a Venezuela.(ANJ)



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