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Diário da Amazônia

Dinheiro de propina faz falta em distritos

Situação poderia ser amenizada se dinheiro desviado fosse investido na capital e distritos.

Por Daniela Castelo Branco e Jornal Estado de São Paulo
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Publicado: 16/04/2017 às 07h15min

Falta de infraestrutura é visível em Jacy-Paraná, distrito mais impactado com as obras da usinas do rio Madeira

A Odebrecht e a Andrade Gutierrez pagaram cerca de R$ 80 milhões em propinas a diferentes políticos em torno do projeto da Usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia. Esta é uma das obras mais citadas nos inquéritos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com base nas delações da Odebrecht.

O dinheiro utilizado no pagamento de propina em Rondônia se aplicados para minimizar os impactos negativos do empreendimento poderiam ter transformados para melhorar a realidade da população no município de Porto Velho e nos distritos impactados pelas obras. Mas o que se vê, são realidades bem diferentes com a paralisação de diversas obras.
O Ministério Público Federal (MPF) investiga a utiilização do dinheiro da propina na aquisição de fazendas e gado em Rondônia.

Nova Mutum

Nova Mutum, localizada a cerca de 100 quilômetros da capital, tem características de uma formação mais planejada. Ele foi criado através do decreto legislativo nº 5.839, de 11 de dezembro de 12985 para assentar moradores da Vila Mutum. No entanto, grande parte da área, foi alagada pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Jirau. Em janeiro de 2011, a população foi realocada para uma nova área planejada, onde 1,6 mil casas foram construídas pelo Consórcio Energia Sustentável e Construtora Camargo Correia, além de acesso à BR-364 e bens infraestruturais como escolas, creches e posto de saúde.

A Energia Sustentável do Brasil (Usina de Jirau) afirmou que investiu cerca de R$ 30 milhões para a remodelação do novo distrito, o Nova Mutum. Já a Santo Antônio Energia realizou apenas algumas ações no distrito que não melhoraram em nada a vida dos moradores. Porém, é notável que a situação de Jaci-Paraná é muito pior; sua população dobrou desordenadamente e com isso, os problemas sociais e ambientais eclodiram. Na cheia histórica de 2014, boa parte do distrito foi alagado e assim, muitos moradores deixaram suas casas, apesar de terem sido indenizados.

Pelo investimento geral de cerca de cinco bilhões de dólares para cada usina hidrelétrica, a sensação é de que se poderia ter feito muito mais pelos moradores desses distritos, principalmente aos de Jaci-Paraná, e que iria modificar o cenário atual de lugar arrasado e atenuar o caos que se instaurou lá, modificando assim, a sensação de terra arrasada.

Projeto

O projeto urbanístico envolveu dois milhões de metros quadrados para atender seis mil pessoas. Embora os levantamentos da Vila de Mutum, que foi alagada, apontar 380 residências, em Nova Mutum, além das casas padronizadas e de todas as benfeitorias que a cidade recebeu, destacam- se as escolas bem planejadas, os hospitais e clínicas, os centros administrativos bem cuidados e os centros comerciais e mini-shopping. Inaugurada em janeiro deste ano a cidade possui ruas asfaltadas, tratamento de água e esgoto, rede de telefonia fixa e móvel, acesso à internet banda larga, coleta seletiva de lixo, praças e áreas de lazer, escolas de ensino fundamental e médio, terminal rodoviário, Correios, agência bancária, posto de saúde, central de abastecimento, além de setor para instalação de indústrias de médio e grande porte, centro comercial e feira livre dos produtores rurais. O aumento da população levou ao distrito, empresas como as Lojas Gazin, Dullim, Vivo e outros serviços.

No entanto, esse era o projeto inicial. O que podemos constatar agora é uma área, que apesar de ter toda uma estrutura bem delineada, e que antes era considerado um pequeno paraíso para se morar, hoje se tornou uma ‘cidade fantasma’. Os comércios estão “fechando as portas”, pois quase não há clientes. As casas padronizadas foram alteradas, o saneamento básico se tornou precário, o minishopping não tem movimento algum. Escolas só têm duas; uma particular e uma municipal. Mercados também só têm dois e que já ameaçam fechar pela falta de movimento. Praças e áreas de lazer praticamente abandonadas. Insatisfeitos com a falta de circulação de dinheiro em Nova Mutum, população já diz que pensa em ir embora da localidade, já que os trabalhos das usinas estão praticamente no fim.

Cristiane Lopes, 23 anos, atendente de farmácia, diz que grande parte da população já está indo embora porque não há movimento e o dinheiro não está entrando no distrito. Cristiane diz ainda que perto da escola particular, existe um grande esgoto aberto que fede muito.

Apesar de ter sido uma cidade planejada, Nova Mutum Paraná também apresenta problemas

Do outro lado, o caos total vivido em jaci-Paraná 

Todos os problemas vistos em Nova Mutum são pequenos perante o caos que se tornou Jaci-Paraná. Localizada mais próxima de Porto Velho, cerca de 90 quilômetros, Jaci é uma área bem diferente da que observamos em Nova Mutum. A construção das usinas de Jirau e Santo Antônio trouxeram bem mais problemas ao distrito. O vilarejo tinha em 2008, 4,5 mil moradores e em apenas um ano subiu para 12 mil. Atualmente a estimativa é de que a população ultrapasse a soma de 20 mil. Atraídos pela “corrida do ouro” e pela grande demanda de emprego pelas usinas, muita gente se instalou na localidade. Foi aí que os problemas sociais e estruturais se acentuaram. Hoje falta lugar para morar e os hotéis que foram construídos para atender a grande demanda de pessoas, se tornaram verdadeiros cortiços e a prostituição e tráfico de drogas já viraram manchetes constantes de jornais.

Foram investidos no distrito cerca de R$ 10 milhões em asfalto (trecho de apenas 5 quilômetros), drenagem, reforma de duas escolas, acesso e muro do cemitério, alteamento da ponte da antiga estrada de ferro e construção de um centro poliesportivo, obras bem inferiores em termos de infraestrutura às executadas em Nova Mutum.

Atualmente, constatamos que a situação piorou; populares reclamam do caos que tomou conta de Jaci. Hoje, falta o mínimo serviço de saneamento básico, falta emprego. A segurança pública quase não existe. As ruas, a maioria sem asfalto está esburacada. Obras para a saúde pública estão paradas, como a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), construída na gestão ainda do prefeito Roberto Sobrinho do PT (2005-2012) e que não pode ser finalizada porque o Ministério da Saúde determina que a população na área de abrangência deva ter cerca de 100 mil habitantes, o que não é o caso de Jaci, é claro. Seu número de habitantes gira em torno de 3,6 mil.

O distrito só recebeu recentemente novo Sistema de Captação, Tratamento e Abastecimento de Água, através de compensação social da Energia Sustentável do Brasil (ESBR). A obra custou R$ 5,5 milhões, proporcionando água tratada para seus habitantes em dezembro de 2015.

Os maiores problemas de Jaci, observados a olhos vistos são; na saúde, onde não tem postos suficientes para atender à população, na educação, pois a escola municipal além de estar situada numa área mais isolada, ainda é cercada pelo matagal, na falta de segurança devido à carência estrutural da polícia, na ausência de pavimentação das ruas e na falta de saneamento básico.

O administrador da Prefeitura Municipal de Porto Velho em Jaci-Paraná, Milton Barbosa da Rosa afirma que as compensações das usinas nos distritos evidenciam a contradição estrutural entre os dois distritos (Nova Mutum e Jaci):

“Em Nova Mutum foi a empresa Jirau que construiu praticamente a localidade, para atender aos seus funcionários da usina. Eles trouxeram o pessoal que era da antiga Mutum e assim, formou-se uma cidade planejada. Já no caso de Jaci, algumas pessoas que foram retiradas receberam indenizações, mas parou por aí. Teve algumas poucas obras de compensação, mas pararam no caminho”, aponta.

Enchente de 2014 piorou a situação em distrito

Milton Barbosa explica ainda que as alagações de 2014 deixaram muitos problemas no distrito pela remoção dos moradores: “Onde tinha residência, hoje é mato; propício a virar criadouro de animais peçonhentos. Jaci praticamente está esquecido.

Agora que estamos começando com a nova gestão municipal, o prefeito Hildon Chaves já traçou um plano de ação, através do trabalho em parceria com as secretarias. O nosso prefeito quer que as coisas melhorem aqui e eu creio que agora virão mudanças. A UPA abandonada será aproveitada para que um novo posto de saúde (Postão) venha a funcionar no local. E no que depender da atual gestão, algumas melhorias vão chegar para Jaci”, anuncia.

“Quanto às reclamações da falta de emprego, o administrador explica que ninguém esperava o “inchaço populacional” das usinas:” Como os trabalhos da usina praticamente acabaram essas pessoas que dependiam das usinas ficaram sem as frentes de trabalho. E as outras pessoas que residem aqui, estão sem emprego pois estamos vendo que as coisas estão paradas. E quanto aos problemas de saneamento básico, nas audiências públicas que participamos, foi prometido que essas questões seriam resolvidos, mas até agora nada. Somente a água chegou aqui, mas o saneamento mesmo não existe. Nós temos que fazer algo urgente por Jaci”, ressalta.

Pedro Adelmo Korilo, 53 anos, empresário do ramo agropecuário e morador de Jaci há mais de 30 anos, diz que antes das usinas, a vila não era asfaltada, não tinha saneamento básico, mas a situação era diferente:

“Nós tínhamos uma vida confortável e tranquila. Após a usina, deu “aquele fogo”, mas Jaci não tinha estrutura para atender tal demanda. Exemplo disso é essa UPA enorme que foi construída e não abriu. Há seis anos eu forneci material para a construção da UPA que não foi concluída até hoje e está sendo depredada. O povo de Jaci-Paraná está abandonado e a população está caindo em desespero, fechando os comércios e indo embora. Não me preocupo comigo, pois tenho uma situação financeira favorável, mas sim com a população mais carente. É preciso que se fomente a economia de Jaci, que se instalem novas indústrias para que se gerem empregos para a população daqui”, relata o empresário.

 



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