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Governo Cassol deixa cidade sem água e esgoto

Acordão do TCU aponta que R$ 120 milhões seriam desviados por meio de sobrepreço.

Por Redação Diário da Amazônia
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Publicado: 09/06/2018 às 21h00min | Atualizado 12/06/2018 às 09h07min

O acórdão nº 610/2015, do Tribunal de Contas da União (TCU), demonstra que R$ 120 milhões seriam garfados através de sobrepreço no governo Cassol, por isso foram suspensas as obras de água e esgoto em Porto Velho. Essa quantia representa mais de 20% do montante do valor contratual, que era de R$ 613.281.961,24. Com a paralisação dos serviços, cerca de R$ 180 milhões que já haviam sido pagos simplesmente escorreram pelo ralo, e a população da capital ficou sem esgotamento sanitário, sem atendimento de 100% de água tratada e com a Caerd praticamente falida.

A maior parte do dinheiro para o projeto básico e para as obras veio do governo federal: R$ 407.287.509,19 milhões, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Estado entrou com contrapartida de R$ 143.119.699,43, o que resultou em R$ 550.407.208,62. O dinheiro seria mais do que suficiente, como pode ser facilmente calculado, mas o governo Cassol achou que o montante era pouco e elevou mais R$ 62.874.752,62, chegando aos R$ 613.281.961,24 e praticando o sobrepreço de R$ 120 milhões.

As obras deveriam ser executadas inicialmente pelo então prefeito Roberto Sobrinho (PT), mas o então governador Ivo Cassol (PP-RO) pediu que os serviços fossem repassados para o Estado. Os dois são adversários políticos e tiveram diversos embates, mas Cassol usou um argumento muito forte, dizendo que poderia salvar a Caerd se a companhia ficasse responsável pela rede de água e esgoto na capital. Para evitar a falência da empresa, Sobrinho concordou.

Após conseguir puxar para o Estado a responsabilidade da execução dos empreendimentos, o governo Cassol cometeu falhas grotescas, como formalizar o contrato com a empresa vencedora sem a apresentação do projeto básico concluído. É bom lembrar que foram destinados R$ 9 milhões para a elaboração desse projeto.

Outras graves irregularidades são apontadas pelo TCU, como restrição à competitividade da licitação decorrente de critérios inadequados de habilitação e julgamento; ausência de licitação autônoma para a aquisição de materiais e equipamentos de custo relevante e inadequação de aceitabilidade do preço global e inexistência de critérios de aceitabilidade de preços unitários.

Na ocasião, foram apresentados diversos alertas de que na história de Porto Velho dificilmente haveria outra chance de a capital receber esse volume de dinheiro para atender a população com esgoto e água tratada. Lideranças do PT também avisaram que havia coisa errada, porque o governo não encarregou a Caerd de executar as obras, que foram repassadas para a Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral (Seplan). De acordo com o que foi dito na ocasião, a explicação seria simples: havia muitos petistas na companhia, e eles perceberiam as irregularidades e o sobrepreço.

Em relação à primeira falha gritante, não existência de projeto básico concluído, Ivo Cassol foi ouvido pelo TCU e seus argumentos foram considerados insuficientes para afastar a irregularidade constatada. A defesa do atual senador foram centradas nas alegações de que não teria participado ou interferido na elaboração do projeto e do orçamento da obra, e que as irregularidades dificilmente seriam detectadas por agente político.

O relatório aponta, ainda, a forma como o governo Cassol tentou justificar o gasto de mais dinheiro, o que resultou no sobrepreço de R$ 120 milhões. Menos de três meses após publicar a licitação para executar o empreendimento, foi pedido mais dinheiro ao governo federal. O Estado, que tinha o atual senador Ivo Cassol no comando, citou haver deficiências no projeto elaborado

‘Contudo, com a evolução da elaboração dos projetos, as peculiaridades locais quanto a topografia plana, ocasionaram no aprofundamento das redes coletoras e aumento no número de estações elevatórias, dentre outros, e os valores previamente estabelecidos e parametrizados pelo Diagnóstico, se demonstraram insuficientes, sendo necessário um investimento complementar de R$ 334.470.633,38 visando o atendimento de 75% do acesso ao serviço de coleta e tratamento de esgoto da cidade de Porto Velho, representado pelos Sistemas Norte e Sul’, alegou o governo Cassol em sua justificativa.

Em seguida o relatório do TCU especifica que as deficiências apontadas no projeto deveriam ter sido utilizadas para anular o processo licitatório, e não para pedir mais dinheiro para a execução da obra. Como se fosse pouco, três meses após assinar a ordem de serviço, o responsável assinou documento rescindindo o contrato firmado com a empresa projetista, sem que seu objetivo tivesse sido concluído, sendo que constava a informação da inexequibilidade do projeto inicial, que foi adotado na licitação para contratação da obra.

De acordo com o Tribunal de Contas da União, diante dos fatos está constatado que, de maneira diversa do que advogou Ivo Cassol, “era plenamente possível, mesmo sem possuir qualquer conhecimento técnico – e em razão do soberbo porte do empreendimento –, ter ciência da incompletude do projeto levado à licitação e que culminou com a assinatura do Contrato 083/PGE-2009, em valor superior a R$ 600 milhões”.

 

O relatório cita, ainda, que ao contrário do que Ivo Cassol tentou demonstrar, sua posição de absoluta ascendência hierárquica sobre os demais gestores estaduais permitia a obtenção de informações de diversas fontes, inclusive dos órgãos que repassavam os recursos, por isso o então governador deveria ter demonstrado conduta diferente da apresentada ao assinar documentos.

“Deveria o responsável ter determinado a anulação da Concorrência 009/09/CPLO/SUPEL/RO (proposta de preços) e da Concorrência 042/08/CPLO/SUPEL/RO (pré-qualificação), não firmando o Contrato 083/PGE/2009 e não emitindo ordem de serviço autorizando o início da obra, ou mesmo tê-la anulado, considerando a inexequibilidade do projeto inicial, tal como fora licitado”, prossegue o relatório.

Após o governo Cassol ter ficado sob suspeita em relação às obras, principalmente porque o sobrepreço de R$ 120 milhões coroava todas as irregularidades, o contrato para a execução do empreendimento foi rescindido. No governo Confúcio houve a tentativa de retomar o serviço, para que aproximadamente R$ 180 milhões já pagos não fossem perdidos, mas não foi possível. Devido à ausência de projeto básico completo, não se sabe onde foi instalada a tubulação, pois apesar de muitos quilômetros de ruas terem sido quebrados, em diversos pontos onde o asfalto foi danificado não foram encontrados canos.

Confira na integra o relatório do TCU

Após Rondônia perder mais de R$ 600 milhões devido a falhas cometidas pelo governo Cassol, na Zona Leste de Porto Velho a aposentada Maria Neves, de 60 anos, precisa andar quilômetros para ter acesso a água tratada. Como a família mora no bairro Belvedere, distante dali, sem ajuda nenhuma ela precisa colocar galões e garrafas pet em uma carriola e passar por ruas esburacadas, enfrentando lama ou poeira até chegar à torneira de uma escola no bairro Jardim Santana.

“Venho buscar água porque preciso. Eu sou sozinha. É só eu e Deus. O único meio de conseguir água tratada é aqui”, explicou, especificando que faz essa espécie de maratona a cada cindo dias, há aproximadamente dois anos. Essa batalha não é enfrentada somente por ela. Toda a população do Jardim Santana só encontra água potável no colégio.

O desempregado Teodomiro da Silva se submeteu a uma cirurgia no pé e tem dificuldade para colocar o galão em uma bicicleta e ir até o local. “Para quem é saudável, tudo bem. Mas para mim é difícil. Não sei nem se é tratada essa água, mas aqui na escola é o único lugar que tem (água limpa). Desde o final de 2015 eu pego água aqui”, explicou, mostrando a torneira.

Já o autônomo Lourival Rodrigues anda dois quilômetros de sua casa até a escola, para conseguir água. Ele disse que faz isso há quatro, colocando dois galões na garupa de uma bicicleta.

Alguns moradores, inconformados, querem saber para onde está o dinheiro perdido no governo Cassol. A aposentada Maria Lima disse que para o bolso dela que não é. “Eu oro para Deus, para que esses ladrões sejam tirados do poder e seja colocada uma pessoa decente, que tenha responsabilidade para tomar conta dessa cidade. Ninguém recebe nada de benefício. A gente só paga e não recebe”, afirmou Maria Lima.

Na rua Daniela, bairro Aponiã, o asfalto cortado mostra que metros abaixo estão enterrados canos que deveriam levar água para as residências e para o comércio. As cenas se repetem em diversos outros bairros. O governo Cassol pagou R$ 180 milhões à empresa contratada para fazer o serviço, mas os canos estão secos. O dinheiro escorreu pelo ralo, a população está sem água e a Caerd praticamente falida. As obras da estação de abastecimento da Zona Sul ficaram mais de oito anos paradas. Apesar de terem sido gastos R$ 58 milhões não há previsão de quando começará a abastecer a população.



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