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Diário da Amazônia

Histórias da tacacazeira mais antiga de Porto Velho

Com a história da Dona Inês, homenageamos todas as mães nesse dia 13 de maio. Dia das Mães em 2018!

Por Silvio Santos Diário da Amazônia
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Publicado: 14/05/2018 às 09h23min

De segunda a sábado quem passa pela rua Tenreiro Aranha nas proximidades da D. Pedro II, se depara com um aglomerado de gente em volta de uma mesa. São os fregueses do Tacaca e do Croquete da Dona Inês a tacacazeira mais antiga em atividade em Porto Velho. A Banca está completando 60 anos sempre montada no mesmo local. Dona Inês está com 81 anos de idade.

“Nasci em 1937 e vim pra cá no final da segunda guerra mundial”.

Carnavalesca por excelência, brincou carnaval no Danúbio Azul Bailante Clube e chegou a desfilar pelas escolas de samba Os Diplomatas, Seka Buteco e atualmente frequenta a escola Asfaltão. Essa cearense que acompanhou sua mãe pelos seringais do Vale do Guaporé e ao fixar residência em Porto Velho montou a banca de tacaca tem muita história pra contar.

Com a história da Dona Inês, homenageamos todas as mães nesse dia 13 de maio. Dia das Mães em 2018!

ENTREVISTA

Zk – Vamos falar sobre sua origem?

Dona Inês – Nasci em Fortaleza (CE) em 1937, quer dizer, estou com 81 anos de idade, vim pra cá quando a segunda guerra mundial estava terminando em 1945, era no tempo dos Arigós.  A história é a seguinte: Meu pai Euclides Miguel da Silva veio como Soldado da Borracha ele deixou minha mãe grávida la no Ceará, naquele tempo, o presidente da república era o Getúlio Vargas que dava passagem pra todo mundo vir para a Amazônia. Ele passou um telegrama pra mamãe quando já estava no Maranhão.

Zk – E vocês faziam o que para sobreviver?

Dona Inês – Depois daquele telegrama, nunca mais tivemos notícia do meu pai. Minha mãe fazia de tudo para nos sustentar inclusive, ganhava dinheiro carregando água para a casa das pessoas ricas. Depois de um ano o governo federal liberou passagem para as mulheres que haviam ficado, aí minha mãe se avexou, sem eira nem beira colocou nossas roupas dentro de um saco, como diz a música do Luiz Gonzaga: “A maleta era um saco e o cadeado era um nó”. De inicio levaram a gente pruma hospedaria em Fortaleza mesmo, depois embarcamos no Alexandrino rumo a Belém onde ficamos numa outra hospedaria. Depois de algum tempo chegou à ordem pra gente embarcar pra Manaus. Mamãe descobriu que o nome do papai estava numa lista que dizia que ele estava nos seringais do Território do Guaporé, ela foi com o governador e conseguiu passagem e viemos, só que passamos direto para Guajará Mirim.

Zk – Como descobriram o seringal que o seu Euclides trabalhava?

Dona Inês – Quando chegamos em Guajará, pergunta daqui, pergunta dali, minha mãe foi apresentada a um senhor pernambucano que era dono do seringal Ouro Preto que disse, “Ele foi meu seringueiro e agora está trabalhando no seringal do Manussakis”. Pra encurtar a história ele mandou levar a gente pro seringal, fomos de motor de popa e a noite dormíamos numa tal de “Pascana”.Só sei que encontramos papai que de inicio não queria nos aceitar porque estava noivo com uma boliviana. A choupana do papai era muito precária e minha mãe não quis ficar e foi pro Barracão e meu pai resolveu ir junto, só que tiraram ele do corte da seringa, para o corte de Caucho. Depois de três meses meu pai morreu e ficou devendo muito.

‘Foi o tempo que conheci o Waldemiro e sai gestante da Lúcia. Fui morar com ele num quartinho no edifício conhecido como Céu em frente o cemitério dos Inocentes. Não tínhamos nada, nossa mesa era uma caixa de sabão’

Zk – Você foram embora do seringal?

Dona Inês – Tinha um gerente por nome Abiorana que não deixou a gente sair de lá, ele era ruim que só a porra, enquanto não pagasse a dívida do papai. Foi quando apareceu um seringueiro baixinho e perguntou se mamãe queria morar com ele e ela aceitou, Com dois anos ele quitou tudo e então fomos pra Guajará Mirim. Minha mãe se separou dele e voltamos pra Fortaleza (CE), depois voltamos novamente pra cá e fomos para Abunã, certo dia vi aquele homem e falei: Mamãe olha quem ta ali, o meu padastro, resultado, eles voltaram a morar juntos. Eu como já estava mocinha não fui com eles não.

Zk – E foi pra onde?

Dona Inês – Vim pra Porto Velho e me empreguei na casa da Estela Alencar filha do seringalista Jaime Alencar onde me dei muito bem. Foi o tempo que conheci o Waldemiro Andrade e sai gestante da Lúcia. Fui morar com ele num quartinho no edifício conhecido como Céu em frente o cemitério dos Inocentes. Não tínhamos nada, nossa mesa era uma caixa de sabão, a toalha eu fazia de saco de açúcar, foi o tempo que ele comprou essa casa da Tenreiro Aranha onde a gente vende tacaca até hoje, ele era empregado do I.B. Sabbá. O I.B. Sabbá fechou e ele ficou desempregado e eu já tinha a Lúcia e mais duas filhas que morreram. É aí que começa a história do tacaca.

Zk – Vamos contar essa história?

Dona Inês – Depois que o Waldomiro ficou desempregado começamos a passar por necessidade e tínhamos uma vizinha muito boa que nos ajudou muito, aí o Waldomiro tentou ser chofer de praças (motorista de táxi) e não conseguiu, foi quando alguém perguntou se ele queria se empregar no armazém do seu Miguel Arcanjo e ele aceitou. Antes disso, essa vizinha que era minha comadre Julia, perguntou, “você não sabe fazer nada”. Sei não! – Vou te ensinar a fazer tacaca e você vai vender pra ganhar um dinheirinho. Arruma macaxeira pra tirar o tucupi que eu te ensino, disse ela.

‘Fui la no Clipper que ficava na 7 de Setembro e perguntei quanto o João Barril queria na casa, ele disse que tava pedindo 300 contos e eu fiz a proposta de 200 contos. No outro dia o Waldomiro fechou o negócio e estamos aqui até hoje’.

Zk – E então?

Dona Inês – O compadre Wilson marido dela, comprou algumas cuias, camarão, jambu e o Dega aquele que vendia mingau em frente ao Mercado Municipal e ficou famoso, tinha um sítio por ali onde hoje é a igreja de Nossa Senhora de Fátima no Areal, fui com ele e encomendei uma saca de macaxeira amarela. Quando o Dega chegou com a macaxeira minha comadre disse, passa o pau comadre, descasca que vou te ensinar a fazer tacaca, pedi por Wilson fazer uma ralo (até hoje tenho esse ralo), ela me ensinou a tirar o tucupi e a goma da mandioca e então comecei a vender tacaca.

Zk – Sessenta anos. É a banca de tacaca mais antiga de Porto Velho. Qual o segredo do seu tacaca?

Dona Inês – Tudo que gente faz com amor fica gostoso, esse é o segredo. A gente tempera com jambu e camarão. No meu tucupi vai chicória, alho e alfavaca e a cabeça do camarão batida no liquidificador e peneirada, não tem nada de especial a não ser o amor.

Zk – Outro sucesso da sua banca são os croquetes. Desde quando a senhora começou a fazer croquete pra vender?

Dona Inês – Já o segredo do croquete é uma boa macaxeira e o tempero da carne moída. E assim como já disse, criei todas as filhas. Me separei do Waldomiro quando as meninas ainda eram pequenas. Um senhor que era dono do sítio onde hoje é o banho do Souza me encontrou e foi dizendo: Ô dona Inês a senhora foi lá no sítio e nem nos visitou e eu admirada, eu mesma não! Não sei nem aonde é esse sítio que o Waldomiro ta tirando. Acontece que a Socorro que o Waldomiro havia tirado do puteiro, estava grávida e eu também estava grávida do meu único filho. Foi ela que o foi lá com o Waldomiro.

Zk – Essa casa da D. Pedro II era de quem?

Dona Inês – Essa casa quem comprou foi o Waldomiro ela era do João Barril. Um dia o Waldomiro chegou comigo e disse: Inês vai la com o João Barril e ver quanto ele quer na casa. Fui la no Clipper que ficava na 7 de Setembro e perguntei quanto ele queria na casa, ele disse que tava pedindo 300 contos e eu fiz a proposta de 200 contos. No outro dia o Waldomiro fechou o negócio e estamos aqui até hoje.

Zk – Como foi que a senhora se transformou em folia do nosso carnaval?

Dona Inês – Frequentei muito o Danúbio Azul Bailante Clube. O Waldomiro quando ainda morava com a gente, no tempo de carnaval ele me deixava no Danúbio e ia pro puteiro, ele sempre foi sem vergonha, quando a festa terminava ele tava me esperando na portaria junto com o Severino Porteiro. A Diplomatas do Samba já existia e passou a ser a nossa escola. Antes o carnaval era muito animado, tinha os bailes infantis às tardes de domingo e os bailes de carnaval para os adultos em tudo quanto era clube social, hoje o carnaval é só na rua.

Zk – E hoje a senhora ainda desfila?

Dona Inês – Desfilei muito, inclusive no “Seka Buteco”; hoje devido à idade, apenas gosto de freqüentar os eventos da escola Asfaltão. De vez em quando, os meninos do Bloco Mistura Fina me colocam em cima do carro de som e eu acompanho o desfile do dia 31 de dezembro.

Zk – Para encerrar. Que horas começa o preparo do tacaca e do croquete.

Dona Inês – Por volta das cinco da manhã às meninas (mais a Vera) começa a ralar a macaxeira pra fazer o croquete e o tucupi, quando dá nove horas um dos genros vem e espreme pra tirar o tucupi e a goma. Quando me levanto lá pelas nove horas, vou temperar e colocar no fogo. Sei que quando dá duas horas da tarde, elas abrem a banca que fica até a boca da noite.Volto a lembrar, nossa banca de tacaca é a mais antiga de Porto Velho!



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