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Marcela Bonfim: “Não me reconhecia como negra”

A mostra que seria exibida durante o período de 19/07 até 19/08, foi estendida por mais uma semana, até o dia 26/08 .

Publicado: 20/08/2017 às 05h20

Marcela Bonfim é paulistana, nascida na cidade de Jaú e graduada em economia pela PUC-SP, veio para Porto Velho em 2010, onde se tornou fotógrafa, com a exposição (Re) conhecendo a Amazônia negra: povos, costumes e influências negras na floresta, a fotógrafa voltou à galeria do Sesc, a mostra que seria exibida durante o período de 19/07 até 19/08, foi estendida por mais uma semana, até o dia 26/08 .

Hoje moradora de Porto Velho e autoafirmada mulher negra, Marcela faz da sua câmera um objeto de visibilidade, o acervo da mostra conta com 33 fotografias, que foram realizadas em Porto Velho e comunidades quilombolas do Vale do Guaporé, o trabalho buscou descobrir os descendentes de africanos que ajudaram na construção de Rondônia.

A fotógrafa sofreu com o preconceito da sociedade por ser negra, e para não se sentir completamente excluída, ela tentava se tornar parecida com as suas amigas da faculdade, ignorando a sua própria identidade para ser bem-aceita. Marcela se considerava uma negra em cima do muro, e não se sentia parte de nenhum dos dois universos, ela lembra que na época de estudante era contra o sistema de cotas, justamente por não se reconhecer. “Durante muito tempo era difícil de olhar no espelho, pois não me enxergava como negra, foi preciso mudar de lugar para começar a me enxergar mais suavemente”.

Marcela apostava na sua formação, e acreditava no discurso do mérito próprio, seus pais lhe ensinaram desde pequena, que se estudasse conseguiria um bom emprego, mas com o fim da universidade começou a perceber as barreiras impostas por sua cor, enquanto todos os seus amigos conseguiram empregos em grandes corporações, ela não foi contratada por nenhuma empresa, vendo todos os seus sonhos indo embora, ela resolveu por intermédio de uma amiga recomeçar a vida em um novo lugar.
Chegando em Porto Velho, logo tratou de conhecer o lugar, e resolveu comprar uma câmera para registrar o novo ambiente, e foi neste processo de descoberta, que a fotografia mudou de vez a forma de enxergar a si mesma.

“A fotografia me possibilitou conhecer a minha ancestralidade, tanta coisa mudou em mim, antes eu demonizava as religiões africanas, tanto é que, as primeiras fotos que fiz foram em um terreiro, e eu senti tanto medo de ir até lá, justamente por ter um pensamento que aquele lugar era ruim, que existia algo de mau ali, mas chegando lá eu vi que nada do que acreditava era verdade, todos os meus preconceitos foram embora. Hoje, por meio da fotografia resgatei a minha história e voltei a reconhecer eu mesma”

(Re)descobrindo a Amazônia Negra

Para marcela a fotografia é um instrumento de arte, que invade e modifica indo além das armaduras que o ser humano costuma construir, trazer uma maior reflexão para o público sobre os negros da Amazônia, é o maior incentivo que a fotógrafa pode receber. O projeto adentra diversas esferas, para a fotógrafa o ressarcimento histórico é uma das questões “O projeto traz um apelo de revisão bibliográfica na história, pois, nos livros pouco se fala dos negros, e quando é superficialmente abordado vem de uma perspectiva branca, pensar no lugar do negro na sociedade é uma questão para se colocar no lugar do outro e saber que a realidade da outra pessoa é diferente e tão valiosa quanto a sua”.

Em Rondônia, por intermédio da fotografia, ela conta que conseguiu entrar em contato com a história do lugar, conheceu os descendentes dos barbadianos que vieram para a construção da Madeira-Mamoré, visitou comunidades quilombolas e percebeu que o Estado é um lugar de história e resistência negra.

O projeto Amazônia Negra vem do processo de empatia e troca, de enxergar e se reconhecer em cada um dos indivíduos fotografados, para a fotógrafa, esta é a forma que encontrou para romper com o silêncio e esquecimento dos corpos negros. Marcela conta que para o ano que vem a mostra já recebeu diversos convites de exposições em mais lugares da região norte. Sobre a visibilidade que o projeto Amazônia Negra está tendo ela diz:

“Quando me tornei fotógrafa, percebi o quanto é importante este empoderamento e esta representatividade para com o povo negro, mas o mais importante hoje é me manter segura de quem eu sou, então eu me sinto grata pela mostra Amazônia Negra e principalmente por todas as pessoas que fazem parte deste projeto, pois, foram eles que me possibilitaram ser a mulher negra que me tornei e estar disposta a defender minha negritude”.

Sobre a solidão da mulher negra

No último Censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, dados sobre a mulher negra brasileira chamaram a atenção. O levantamento apontava que, à época, mais da metade delas – 52,52% – não vivia em união, independentemente do estado civil.

As mulheres negras não estão representadas nos padrões de beleza da sociedade, e no imaginário popular não são pessoas para se ter uma relação, o afeto não é algo que existe, este fato imediatamente as exclui do ciclo social, com a autoestima abalada, as mulheres negras são vítimas da solidão, machismo e racismo.

Para poder conseguir se enxergar diante do espelho, Marcela precisou reconhecer todos estes processos. Sobre ser uma mulher negra no Brasil a fotógrafa diz:

“É necessário ter resistência, pois, as mulheres brancas já são inferiorizadas, imagine uma mulher negra, a cor vem para deixar tudo mais intenso, precisamos provar que somos capazes de conquistar espaços, algo que não deveria acontecer, mas por toda essa herança histórica acabamos tendo que provar o nosso valor, o homem negro conseguiu um acesso social mais rápido que nós, a mulher negra atualmente luta para conseguir a afetividade, a solidão da mulher negra é algo que precisa ser discutido, existe uma hipersexualização dos corpos negros, precisamos desmistificar estes lugares que nos colocaram, a mulher negra é forte, tem poder e pode fazer da vida o que quiser”.

Por Jaylson Vasconcelos Diário da Amazônia

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