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Diário da Amazônia

As artimanhas do Fausto na Operação Reciclagem

Na operação Reciclagem, Fausto se tornou colaborador da PF e filmou prefeitos do interior recebendo propina.

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Publicado: 29/09/2020 às 06h00min | Atualizado 29/09/2020 às 10h17min

O personagem oculto que deu origem a Operação Reciclagem, deflagrada pela Polícia Federal na última sexta-feira, 25, é o empresário vilhenense Fausto Moura, ligado à empreiteira Projetus e a MFM Soluções Ambientais. Nesta operação da PF ele aparece como vítima e denunciante, mas Fausto é velho conhecido da Polícia Federal e da Justiça, sendo que responde a dois processos por corrupção na 1ª Vara Criminal de Vilhena, em um esquema de corrupção que envolvia o ex-prefeito de Vilhena, Zé Rover e o vereador Gustavo Valmórbida, presos na chamada Operação Tríade.

Divulgação

Na operação Reciclagem, Fausto se tornou colaborador da PF e filmou os prefeitos de Rolim de Moura (Trento), São Francisco do Guaporé (Lebrinha) e de Cacoal (Glaucione) recebendo propina em troca do pagamento de contas pela prestação de serviços ao poder público na área de coleta de lixo. Nas imagens também aparece o deputado estadual Lebrão (MDB). Não foram divulgadas imagens que comprovem a participação do prefeito de Ji-Paraná (Marcito), também preso.

IRREGULARIDADES

A MFM opera três aterros sanitários em Rondônia (Vilhena, Cacoal e Ji-Paraná). Estas unidades recebem o lixo de várias cidades do Estado através de contratações diretas das prefeituras utilizando-se dos dispositivos da lei 8.666/1993 (de licitações e contratos), em sua maioria contratos emergenciais que são renovados a cada período, o que é proibido.

Além das equivocadas renovações dos contratos emergenciais, atualmente pesou contra estas contratações o novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (lei nº 14.026) que passou a vigorar em julho deste ano. A nova lei estabelece que a atividade em questão, a destinação de resíduos sólidos urbanos, não pode ser executada através de simples licitação, devendo ser obrigatoriamente realizada através de concessão pública.

Ocorre que num contrato de concessão desta natureza, ao término do contrato, deve haver uma contrapartida da empresa concessionária ao órgão concedente (neste caso as prefeituras), que, via-de-regra, assume a propriedade do aterro sanitário em questão ao fim do prazo contratual. Nos casos relacionados pela Operação Reciclagem parece não ter havido interesse das partes em adotar esta formalidade legal, apesar do elevado preço praticado pela MFM.

ENTENDA O ESQUEMA

Um dos exemplos que melhor exemplifica o modus operandi da MFM Soluções Ambientais é o da cidade de Rolim de Moura, cujo prefeito teve apreendido em sua casa cinco milhões de reais. O lixo de Rolim de Moura era destinado para um aterro na cidade de Novo Horizonte do Oeste, utilizando-se então das facilidades propostas pelo CIMCERO (Consórcio Público Intermunicipal de Rondônia) que detém um contrato de concessão vigente com a operadora do aterro em questão.

No entanto, em julho de 2019, a Prefeitura de Rolim de Moura optou por não participar mais do programa de resíduos sólidos urbanos oferecido pelo CIMCERO. Este serviço custava à prefeitura o valor de R$110,00 por tonelada de lixo recebida à 26 km de Rolim de Moura e passou a contratar a empresa MFM pelo valor de R$140,00 por tonelada, tendo ainda que transportar o lixo até o aterro da empresa na cidade de Cacoal, à quase 70km de distância.

Não é coincidência que a Polícia Federal afirme que o esquema de corrupção começou em Rolim de Moura.

Ao longo do primeiro semestre do ano passado, também deixaram de utilizar os serviços de resíduos sólidos oferecido Consórcio os municípios de Alto Alegre dos Parecis, Alvorada D’Oeste, Castanheiras, Nova Brasilândia, Santa Luzia D’Oeste, São Francisco do Guaporé, Seringueiras, Teixeirópolis e o próprio município de Novo Horizonte do Oeste, onde se encontra o aterro concessionário do CIMCERO. Todos estes municípios passaram a destinar seus resíduos à MFM Soluções Ambientais.

Aparentemente a evasão dos municípios do serviço consorciado parece ter sido orquestrada pela própria liderança do CIMCERO, pois, como mostrou a Operação Reciclagem, sua presidente, a prefeita Lebrinha, era beneficiada com as contratações da empresa MFM. A suspeita se fortalece com o fato de que a direção do órgão vem tentando cancelar o contrato que possui com a empresa concessionária sem motivo aparente, atos que vêm sendo questionados na justiça pela empresa contratada.

O CIMCERO

O Consórcio Público Intermunicipal de Rondônia fora criado em 1997 para que os municípios consorciados pudessem otimizar suas demandas através de operações conjuntas, como o que é proposto no programa de resíduos sólidos oferecido desde 2010, que além de otimizar os custos, já que ofereceria um volume maior de serviço ao concessionário, oportuniza muitas cidades menores à regularizar sua questão ambiental e contratual, já que estes pequenos municípios não tinham e ainda não têm capacidade de sustentar sozinhos uma concessão de aterro sanitário.

De acordo com o seu estatuto, a presidência do CIMCERO deve ser presidida obrigatoriamente por um prefeito(a) em exercício do mandato de uma das cidades consorciadas, e em 2015 passou a ter como presidente a prefeita de São Francisco do Guaporé Gislaine Clemente (a Lebrinha), que completaria no próximo mês seu segundo mandato a frente da entidade e que também fora presa na Operação Reciclagem.

Ao influenciar a prefeita Lebrinha e outros prefeitos com propina, o empresário Fausto Moura mandava e desmandava no CIMCERO. Dessa foram, ele desarticulou uma proposta de união das prefeituras para cuidar do lixo das cidades para que sua empresa prestasse esse serviços às prefeituras, com preços bem acima da média nacional.

CURIOSIDADES

O Consórcio Público Intermunicipal era sediado em um imóvel público próximo ao Cemitério Municipal do primeiro distrito da cidade de Ji-Paraná onde estava instalado sem ônus. Em julho deste ano o CIMCERO resolveu mudar sua sede, alugando então um imóvel na mesma cidade que tem como locadora Neangela Silva dos Santos Pinto, que, curiosamente, é casada com o procurador do órgão, o advogado Francisco Altamiro Pinto Junior.

Outra curiosidade, ainda que possa não representar irregularidade aparente, é o fato de que um dos diretores da entidade já respondeu acusação de roubo de carga de combustível e que, somado a isto, uma advogada que recentemente ocupava funções na procuradoria do CIMCERO mantinha atividades profissionais com a esposa de um dos suspeitos que respondeu o processo de roubo de carga com diretor em questão.



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