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RONDÔNIA

“Lama da violência” transforma infância em realidade indesejável

A cada dois dias, pelo menos sete casos de violência contra crianças são registrados através de um disque denúncia (Disque 100) em..

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Publicado: 01/09/2014 às 12h55min | Atualizado 28/04/2015 às 07h14min

O quadro da violência em Rondônia é assustador com números mais expressivos na Capital, Porto Velho

O quadro da violência em Rondônia é assustador com números mais expressivos na Capital, Porto Velho

A cada dois dias, pelo menos sete casos de violência contra crianças são registrados através de um disque denúncia (Disque 100) em Rondônia. Detentora de 318 registros de ocorrências contra crianças e adolescentes, apenas nos primeiros sete meses desse ano, Porto Velho é a cidade que apresenta a pior realidade em todo o Estado. Isso equivale, para a capital, 40% dos registros gerais que incluem diversos tipos de violações a esses direitos que, dentre os mais graves, a violência sexual, física, psicológica, institucional, tráfico de drogas, tortura, negligência, exploração do trabalho e discriminação.

A Secretaria de Direitos Humanos, até o dia 31 de julho, já havia registrado 781 casos em todo o Estado. Mas, na opinião do psicólogo Marcos Paulo Soares.

do Juizado da Infância e Juventude, a realidade da violação desses direitos pode ser ainda mais assustadora se considerarmos que um número até três vezes maior de crianças podem estar sofrendo violações desses direitos. “Por vários motivos, muitos casos não chegam a ser denunciados. Por vergonha das famílias, por motivos complexos que, às vezes, equivale à completa destruição da estrutura familiar, alguns casos não chegam aos órgãos de vigilância”, explica o psicólogo.

Um dos motivadores para o crescimento do número de casos de violência contra a criança e a adolescência, nos últimos cinco anos, está relacionado aos impactos das usinas que, na opinião do especialista, trouxe uma concentração “monstruosa” de homens para a região. O assunto entrou em pauta política nacional e revelou a ocorrência de grandes mazelas. “O mais grave de tudo isso é que ainda hoje há muita carência de aparelhamento do poder público frente ao número de denúncias dessas violações”, argumenta Marcos Paulo, se referindo à incapacidade para tratar de tantos casos em território tão fértil para esses crimes.
A violência que mais assusta as autoridades e a sociedade em geral é a violência sexual. Apenas dessa modalidade, foram registradas no Estado 113 casos, sendo 52 apenas em Porto Velho. Em maio, na Capital, o advogado Marcos R. C. foi preso acusado de estuprar e engravidar a filha, de 12 anos. A menina abandonou a escola com medo do pai aparecer no estabelecimento de ensino e lhe fazer algum mal. Nos meses de junho e agosto pelo menos duas crianças de dois anos foram vítimas de estupro em Porto Velho.

Legislação evoluiu nas últimas décadas

As crianças estão protegidas por lei. Mas, apesar disso, e do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nortear as ações contra os abusos e violência, centenas de crianças sofrem com maus tratos, preconceitos e são exploradas por adultos de diversas formas. Nas últimas décadas, muitos avanços podem ser observados mas, mesmo assim, ainda há muitos problemas e complicadores em potencial. Ainda há muito por ser feito e através da educação, na opinião da maioria de especialistas do assunto, é que se pode reverter esse quadro tão desfavorável.

Números da violência mascaram a realidade

O Promotor de Justiça da área de proteção da Criança e do Adolescente, Marcos Valério Tessila de Melo, aponta um problema complexo e de enfrentamento delicado. Segundo ele, os números de registros de violência contra a infância, de certa forma, mascaram a realidade, pois, de acordo com ele, há casos não denunciados. Mesmo assim, os profissionais que atuam na área da infância comemoram o fato de parentes, vizinhos e pessoas preocupadas com o bem estar de crianças e adolescentes indicarem, através da denúncia, crimes que violam os direitos à infância. “Não tem como dizer se hoje a gente tem mais violações do que tinha lá atrás. O que quero dizer é que nós temos um passado que está sendo resgatado”, diz Tessila.

Como exemplo para esse contexto ele cita o caso de uma moça que denunciou um estuprador 13 anos após o crime. “Em Porto Velho, em 2008, um pedófilo foi condenado porque abusou de seus filhos e de uma sobrinha. Ele foi condenado a uma pena grande e está preso. Uma das vítimas dele tinha na época 11 anos de idade. O tempo passou e um dia essa moça foi ajudar o namorado a fazer o trabalho de faculdade. Ele cursava direito e o trabalho era sobre estupro. Ela começou a estudar e voltar ao passado. Treze anos depois ela denunciou o próprio tio. Casos iguais a este são muitos”, conta. Tessila aceita que o número de denúncias tenha aumentado. Mas, ele diz não poder sustentar que são situações novas. E explica que ao longo do tempo um tabu que ficou no marasmo, escondido, está sendo superado com cada vez mais denúncias. De acordo com o promotor, as histórias de violação envolvendo pessoas do âmbito familiar se repetem, como no caso relatado por ele. “A gente puxa o histórico, são três, quatro casos de abuso numa mesma família. Encontramos bastante”, garante.

Por Analton Alves e Mineia Capistrano

 



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