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Diário da Amazônia

A noite Azul

Combinaram um encontro pelos arredores do prédio da estátua colorida. Mas, não precisaram bem o ponto onde deveriam estar e, por isso..

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Publicado: 26/09/2014 às 12h54min

Combinaram um encontro pelos arredores do prédio da estátua colorida. Mas, não precisaram bem o ponto onde deveriam estar e, por isso mesmo, desistiram fatigados naquela primeira tentativa de contato direto. Depois voltaram a se falar, via telefone, e sugeriram tomar um vinho, talvez com um jantar ao fundo e algumas pequenas histórias de ambas as partes. Mas, esse segundo momento também não vingou. Aconteceu de uma chuva torrencial que, quase sempre inicia a temporada de inverno da cidade, tomar conta daquela noite. Outras tentativas mais e, enfim, a desistência de ambos. Foi cada um para o seu lado da vida. Ele tomou o rumo das luzes e, ela, cheia de sonhos e inquietações, procurou as sombras. E durante muitos anos não se encontraram mais.
O homem, de cabelos grisalhos e um pouco estiloso, com falhas nas laterais mas, mesmo assim, impondo um certo charme, entrou para o barco de passeio e foi sentar-se na primeira mesa, que fica na proa. Dali, podia sentir na face o vento suave e doce que lambia as próprias lembranças. As pequenas ondas que se formavam com o movimento da embarcação também sugeriam algumas histórias que a sua memória fazia questão de esbugalhar. E aquele passeio ganhava uma tonalidade nostálgica mas, de certa forma, confortante para o coração do homem. Ele sorria olhando para o vazio que confundia-se com a água descente do rio e o próprio vento que soprava contrário ao movimento do barco. Parece que sentia-se feliz com as histórias que sua mente desabrochada ia compondo naquela tarde figurativa. E viu no próprio gosto pelo prazer a razão de sua real vontade em continuar vivendo. Um mundo cheio de excentricidade que, por muitos anos, o afastara de um propósito tão comum às pessoas de vidas normais. Mas ele, periférico ao centro das atenções, mostrava-se pela ausência, afastado das rotinas e repetições cotidianas. Era um solitário mas sentia aquela alegria incomum às pessoas desta categoria. Aguardava, com paciência, o dia de sua alegria, como se a tivesse plantado em seu passado. Por isso as memórias o agradavam tanto e com tamanho poder de entrelaçamento.
O barco já estava chegando ao final daquele passeio, que durara aproximadamente quarenta minutos. Primeiro desceram algumas mulheres acompanhadas de seus filhos e com os esposos logo atrás. Em seguida, uma turma de adolescentes que tagarelava muito e, somente agora, com o fim da viagem, ele pode perceber que estavam ali. O barulho que o grupo produziu não pôde ser notado pelo homem. Também outras coisas mais não puderam ser vistas porque sua atenção voltava-se para dentro de si. Ele não percebera, por exemplo, que uma moça, com seu vestido muito longo, o odiou durante todo o trajeto por ter sido ofendida grosseiramente. Ela o perguntara se era ele um escritor. Mas, ele ausente, não a ouviu nem a notou. E ela não o esqueceu, talvez até mesmo depois que se afastaram dali.
Depois que todos desceram, já subindo pela escada que deita-se por sobre o barranco, ele resolveu sair. E também subiu naquele trajeto até chegar ao cais. Da parte alta, pode virar-se de frente para o barco e notar como tudo aquilo era simplório. Porém, cheio de sugestões que o fizeram navegar em suas lembranças de forma tão prazerosa. Novamente abstraiu-se e, uma vez mais, a moça o interrogou. Quis saber se era ele um certo escritor que distribui suas histórias pela cidade em folhas de papel avulso. Mas, ausente, ele prosseguiu sem oferecer qualquer chance para o diálogo. E a moça afastou-se definitivamente. Enquanto caminhava, mais à frente, ele teve o pressentimento de ter sido chamado. Virou-se, olhou para todos os lados, mas nada notou. Então, prosseguiu em sua caminhada. E voltou a olhar para o mundo interior que tanto o confortava. Ao deparar-se com o prédio que tem uma estátua colorida, recebeu algumas vibrações prazerosas. E lembrou-se de um certo dia, quando fora a um encontro e frustrou-se com a longa espera. Lembrou-se de uma moça que lhes perguntara algo mas, ele não compreendeu e saiu sem respondê-la.



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