Porto Velho/RO, 21 Março 2024 13:38:37

Casal que vive na estrada do Belmont abre as portas para alfabetizar a comunidade

Duas ou três vezes por semana, os professores Francisco Israel Mendes, 52, e Maria do Socorro Souza Silva, 51, deixam a casa da família,..

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Publicado: 16/01/2014 às 20h30min | Atualizado 27/04/2015 às 08h56min

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Para todos, a alfabetização é condição importante para melhorar a vida, justificando os sacrifícios para aprender na idade adulta.

Duas ou três vezes por semana, os professores Francisco Israel Mendes, 52, e Maria do Socorro Souza Silva, 51, deixam a casa da família, na Zona Sul da Capital, para dar aulas a duas turmas do programa Brasil Alfabetizado, na Estrada do Belmont – que inicia no bairro Nacional e segue ao longo do rio Madeira, em Porto Velho. As aulas acontecem na casa do casal Ednardo Oliveira, 32 e Quênia Tatiana Ribeiro, 35. Por volta das 19h, os alunos começam a chegar.

A pé, de moto, de bicicleta, eles enfrentam a escuridão, a lama e os atoleiros da estrada para aprender a ler, contar e escrever. Sob um chapéu de palha, com mesinhas cedidas por uma escola comunitária do local, eles fazem uma roda, a maioria junto com os filhos. Para todos, a alfabetização é condição importante para melhorar de vida, justificando os sacrifícios para aprender na idade adulta.

No caso do agricultor Álvaro Pinto, 60, o mais urgente no momento é aprender a fazer contas corretas da venda dos produtos da horta que cultiva. Já o agricultor Assis Rodrigues de Souza, 41, quer prescrever receitas de plantas medicinais que ele aprendeu a utilizar com índios do Amazonas. A necessidade de ingressar no mercado de trabalho – praticamente fechado para os analfabetos – incentiva os jovens a aprender a ler e entre os idosos predomina a vontade de ler a Bíblia, de acordo com os coordenadores do Brasil Alfabetizado em Rondônia.

Desafios e alegrias na sala de aula

O casal Francisco Israel Mendes e Maria do Socorro Souza Pinto há cinco anos participam do Brasil Alfabetizado. Os dois são professores e ele também trabalha como vigilante. Francisco dá aulas na sede de uma associação de moradores e ela leciona na casa do casal Ednardo e Quênia, na Estrada do Belmont. Para eles, a maior motivação do trabalho é a difusão do Evangelho.

Maria do Socorro trabalha há cinco anos no Brasil Alfabetizado em Porto Velho, “resgatando jovens e adultos de volta para a sociedade”, define. Ela diz que não sabe quantas pessoas ensinou a ler e escrever, “mas conhece cada um”. “Quando encontro qualquer um deles na rua, me emociono”, afirma. Para ela, “a maior alegria é sentir a participação dos alunos, que deixam suas casas depois de um dia de trabalho, enfrentando estradas em péssimas condições, principalmente na época das chuvas, para sentar na sala de aula. Melhor ainda só quando percebemos que eles estão aprendendo”, ressalta.

O agricultor Assis Rodrigues de Souza mostra o caderno caprichado. Ele estuda junto com o filho Mikael, de oito anos, já alfabetizado. Para participar das aulas da professora Socorro, Assis percorre 4 km de bicicleta, com o filho na garupa. O que não impediu, por exemplo, que, transportasse uma rama volumosa de macaxeira servida na merenda do intervalo da aula. Para o lanche, todo o mundo participa, fornecendo manteiga, refrigerante, café, pão e outros produtos. “O que a gente mais gosta é fazer festa. Tudo é motivo de comemoração”, explica o aluno.

Embora pequena, a sala de aula do quilômetro 13 da Estrada do Belmont tem um nome pomposo, “Escola de Jovens e Adultos Belmont” – dado pelos próprios alunos. Os estudantes do Brasil Alfabetizado têm oportunidade de continuar seus estudos em turmas do programa Educação de Jovens e Adultos. No caso do pessoal do Belmont, esta possibilidade é ainda um sonho difícil, porque a localidade ainda não possui turmas do EJA.

Quem não sabe ler passa por grandes dificuldades

Quem não conhece a leitura está fadado a grandes dificuldades. Israel lembra de um aluno de 75 anos, que precisava da ajuda de um parente para receber o dinheiro da aposentadoria e era logrado.
Além de ensinar a ler e a escrever, a professora leva uma lição de vida para os alunos. Mãe de três filhos, de 29, 26, 16 e 12 anos, ela concluiu licenciatura em Ciência e está terminando os cursos de psicopedagogia e pedagogia clínica, atividades que espera exercer em breve, logo depois de terminar os cursos. Com isso, deverá trocar a rotina de muitos anos nas salas de aula, mas encara o novo desafio com vontade de trabalhar. “Eu quero que os meus alunos me vejam como um espelho e não deixem nunca de estudar”, diz a professora.

Programa No Estado

O Programa Brasil Alfabetizado em Rondônia tem 8.175 alunos neste ano. Eles estão divididos em 958 turmas. Ao todo, lecionam 627 alfabetizadores com a supervisão de 132 coordenadores. Em 2012, foram atendidos 8.234 alunos e em 2011, 7.155. Na medida em que o programa é desenvolvido e divulgado tem aumentado o número de jovens com mais de 15 anos, adultos e idosos que se mostram dispostos a se alfabetizar. Dos 52 municípios, 77% possuem turmas do Brasil Alfabetizado.

No Estado, de acordo com a gerente de Educação da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Edite Carvalho, as dificuldades de acesso à escola na zona rural impedem muitos alunos de aprender a ler e escrever, principalmente entre os mais velhos. Em Porto Velho, um dos maiores municípios do Brasil, com 34 mil quilômetros quadrados, onde cabem várias realidades – pelo menos duas terras indígenas, comunidades extrativistas e pescadores – o analfabetismo ainda é uma marca forte da histórica falta de investimentos na educação. E aumentou com a chegada de jovens de outros estados, principalmente nordestinos, que migraram para o município na expectativa de arrumar um emprego nas hidrelétricas do Madeira.

Parceria

O Ministério da Educação (MEC), por meio do governo do Estado, fornece material pedagógico e o pagamento das bolsas para professores e coordenadores de turmas, sendo que em Rondônia, o governo do Estado oferece uma contrapartida para complementar os recursos do programa, o que tem permitido atender a um número maior de pessoas. Em 2011, o número de analfabetos com mais de 15 anos do Brasil subiu de 8,6 para 8,7 anos, depois de 15 anos.

Oportunidades no sistema penitenciário

Técnica da seção de Programas e Projetos da Coordenadoria Regional de Educação de Porto Velho, Edith Schultz acompanha de perto a realização do Brasil Alfabetizado na Capital. Ela chama a atenção à oportunidade de aprender disponibilizado pelo programa aos detentos do sistema penitenciário, desenvolvido no presídio feminino, na Casa de Detenção Doutor Mário Alves da Silva, o Urso Branco, e Penitenciária Estadual Edvan Mariano Rosendo, o Urso Panda. O programa é uma oportunidade para aprender a ler e se preparar quando os detentos saírem da prisão. Além disso, os presos têm remissão de pena para cada dia que se dedicam ao estudo. De acordo com a gerente de Educação da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Rute Carvalho, a evasão de alunos do Brasil Alfabetizado é considerada baixa.

Método

Baseado no Método Paulo Freire, o programa é desenvolvido com a participação de voluntários que desenvolvem as funções de coordenadores de turma e de alfabetizadores e ganham, respectivamente, bolsas mensais de R$ 600 e R$ 400 pelo trabalho. Embora irrisória, a quantia pode representar muito. No presídio feminino de Porto Velho, uma detenta que é pedagoga paga as mensalidades de uma faculdade com o que ganha como coordenadora de um grupo.



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