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Diário da Amazônia

OMC e um passo atrás nas relações comerciais do Brasil

Brasil vem se beneficiando de tratamento especial na organização, da qual abriu mão em busca de apoio dos EUA para entrar na OCDE

Por Estadão conteúdo
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Publicado: 24/03/2019 às 11h08min

No documento assinado ao fim do encontro entre Donald Trump e Jair Bolsonaro, o presidente americano afirma ser favorável ao início do processo de acesso do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Bolsonaro concorda que o Brasil “começará a abrir mão do tratamento especial e diferenciado (TED) nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC)”. Mas o que significa essa forma de tratamento no âmbito da OMC?

Bolsonaro e Trump ao fim da entrevista na Casa Branca

As chamadas disposições de TED são uma série de cessões a países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo contidas nos acordos da OMC. Algumas das principais disposições relativas ao TED estão determinadas na chamada “Cláusula de Habilitação”, aprovada no fim da Rodada Tóquio (1979). O Brasil sempre foi um grande defensor dessas disposições e também um grande beneficiário.

Um exemplo de vantagem para o Brasil é a possibilidade de fazer parte dos chamados Sistemas Gerais de Preferência (SGP). Esses programas possibilitam que determinados produtos de países em desenvolvimento acessem o mercado dos países outorgantes com melhores condições tarifárias sem expectativa de reciprocidade. O Brasil pode se beneficiar dos SGPs de importantes mercados. Com base apenas no programa americano, o Brasil exportou cerca de US$ 2 bilhões em produtos em 2015 e, desde então, esse número certamente aumentou. Abrir mão do TED significaria deixar de ter acesso a esse importante benefício para os exportadores brasileiros.

Outro importante benefício do TED na OMC é a possibilidade de concluir acordos preferenciais com outros países em desenvolvimento sem ter de liberalizar parte substancial do comércio. Essa foi a base, por exemplo, para a conclusão dos acordos do Mercosul com a Índia e a União Aduaneira da África Austral (da qual faz parte a África do Sul), parceiros com os quais o Brasil teve importantes superávits comerciais nos últimos anos. Abdicar do TED significaria a impossibilidade de levar a cabo negociações futuras nessas mesmas bases, o que, certamente, aumentará a resistência política a essa forma de inserção comercial.

O TED também é a base para que os países em desenvolvimento tenham mais tempo para implementar acordos e decisões aprovados na OMC. O Brasil vem se beneficiando dessa extensão, por exemplo, para postergar a total implementação do Acordo de Facilitação de Comércio e o fim da concessão de determinados subsídios à exportação de produtos agrícolas, conforme definido no Pacote de Nairóbi.

Em suma, as disposições com base no TED têm sido fundamentais para que o Brasil e outros países em desenvolvimento possam participar do sistema multilateral de comércio da OMC. Eventuais cessões devem ser específicas e manter as flexibilidades supracitadas, que são importantes vitórias dos países em desenvolvimento no ainda desigual sistema multilateral de comércio.

A entrada na OCDE pode trazer benefícios ao Brasil e sinaliza o compromisso no longo prazo do País com uma economia transparente e preparada para receber investimentos estrangeiros. Mas chama atenção um fato curioso na proposta americana: por que o mesmo trade-off não foi exigido em outros casos de acessão à OCDE? México e Coreia do Sul, por exemplo, continuam se beneficiando de disposições de TED na OMC e passaram a ser membros da OCDE. A decisão de aceitá-lo pode terminar limitando o espaço de política comercial para o Brasil no curto prazo e nos coloca em posição de desvantagem frente às economias emergentes que não terão as mesmas restrições, em especial, Índia e China.



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