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Diário da Amazônia

ONU: BR se abstém em votação contra discriminação de mulheres e meninas

Ao deixar de votar, o Brasil se juntou a Líbia, Congo e Afeganistão, entre outros países ultraconservadores em questões de gênero.

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Publicado: 17/07/2020 às 17h33min

© Reuters

O Brasil decidiu se abster nesta sexta (17) na votação de um relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre discriminação contra mulheres e meninas.

A resolução, que busca estabelecer parâmetros para eliminar o preconceito, foi proposta pelo México e orienta os Estados a tomarem medidas para solucionar o problema, incluindo possíveis impactos da pandemia sobre as mulheres.

Na fase de negociações, a representação brasileira alinhou-se a nações ultraconservadoras como Egito, Paquistão e Arábia Saudita. O Brasil sugeriu mudanças ao texto em conjunto com esses países – mas durante a fase de votação de emendas preferiu se abster.

Rússia, Egito e Arábia Saudita sugeriram cinco emendas ao relatório final. Elas suprimiriam as orientações para que os países reconheçam jovens defensoras de direitos humanos, promovam a educação sexual universal, garantam os direitos reprodutivos, assim como o acesso aos serviços e à informação sobre saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia do novo coronavírus.

A maior parte dos países votou contra, e nenhuma delas foi aprovada. O Brasil se absteve nas cinco oportunidades, inclusive na votação de emenda russa que incluía sugestão dada pela própria delegação brasileira durante as negociações.

A emenda propunha a supressão de um trecho que orienta os Estados a garantir acesso a informações e serviços de saúde sexual e reprodutiva na resposta à pandemia.

Ao deixar de votar, o Brasil se juntou a Líbia, Congo e Afeganistão, entre outros países ultraconservadores em questões de gênero.

Segundo Camila Asano, diretora da Conectas Direitos Humanos, o Itamaraty tentou “se esconder atrás da estratégia de abstenção”.

O problema é que, segundo ela, a abstenção em tanto peso prático – já que influencia o resultado se o placar for apertado – quanto simbólico.

“A diplomacia de Bolsonaro passou vexame duplo. Fracassou no seu objetivo de barrar a resolução e condenou o Brasil a ficar nos registros históricos da ONU como país que se absteve junto com Líbia, Afeganistão e Qatar em votações sobre direito das mulheres”, afirmou Asano.

Na fase de negociações, o Brasil também se juntou a países ultraconservadores e pediu a eliminação de três parágrafos inteiros.

Em um deles, o país se juntou à Rússia contra trecho que reafirma que o acesso das mulheres aos direitos humanos inclui “direitos e saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência.”

Em outro, se juntou a Egito, Paquistão, Nigéria, Bangladesh, Rússia, Bahrein, Arábia Saudita, Suazilândia, e Indonésia para ir contra o reconhecimento de que os “indívíduos têm múltiplas identidades, atributos e comportamentos”, e que isso resulta em diferentes tipos de discriminação, aumentando a vulnerabilidade das mulheres.

No terceiro item, alinhou-se a Egito, Paquistão, Iraque, Bangladesh, Rússia, Bahrein, Arábia Saudita e Qatar pedindo a eliminação do reconhecimento de diversos direitos das mulheres em relação à contracepção, ao aborto (em países que ele é permitido por lei) e a programas de prevenção a gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.

As sugestões brasileiras não obtiveram sucesso, e nenhum dos três parágrafos foi excluído do texto final do relatório.

Um deles chegou a ser modificado, mas, em vez de ser excluído, teve seu alcance ampliado.

Com as emendas derrubadas, o relatório foi adotado por consenso.

Nas considerações finais, Sérgio Rodrigues, representante da missão permanente do Brasil junto à ONU, afirmou que a luta contra a discriminação contra mulheres e meninas é uma prioridade para o governo brasileiro, e que a resolução ressalta a importância de abordar as “múltiplas formas interconectadas de discriminação”.

Rodrigues elogiou ainda o destaque dado ao papel fundamental das famílias no texto final e reiterou a posição do país em relação à linguagem sobre saúde sexual e reprodutiva.

“Em nenhuma circunstância, o texto deve ser interpretado como promoção e apoio ao aborto como método de planejamento familiar”, afirmou.

“O Brasil promove políticas de saúde sexual e reprodutiva integrais, dentro da estrutura bem estabelecida na legislação nacional”, completou.

No ano passado, a Folha revelou que diplomatas receberam instruções oficiais do comando do Itamaraty para que, em negociações em foros multilaterais, reiterem “o entendimento do governo brasileiro de que a palavra gênero significa o sexo biológico: feminino ou masculino”.

A teoria de gênero estabelece que gênero e orientação sexual são construções sociais, e não apenas determinações biológicas. Já para segmentos da direita, a “ideologia de gênero” é um ataque ao conceito tradicional de família.

Fonte: FolhaPress



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