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PLANTÃO DE POLÍCIA

Parricídios e as relações familiares

Morte do médico é uma das dezenas dos crimes que ocorreram no País nos últimos anos.

Por Da Silva Diário da Amazônia
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Publicado: 08/11/2015 às 07h15min

O médico Alexandre Müller foi morto pelo filho de 16 anos de idade; crime comoveu a população

O médico Alexandre Müller foi morto pelo filho de 16 anos de idade; crime comoveu a população

A percepção da realidade de forma distorcida é típica de um esquizofrênico. Alcoólatras e viciados em drogas também apresentam aspectos psicóticos, com fuga da realidade, que podem levar o indivíduo a matar um ente querido. O parricídio, de acordo com algumas teorias da psicologia, pode se suportar em atos de libertação de uma longa história de opressão e abusos por parte de quem comete o crime. Mas também há casos, e teorias contrárias a esta primeira, que apontam como causas dos elementos motivadores do ato de um parricida para o contexto social em que este se insere, principalmente quando este integra grupos que cativam ideologias radicais. Assim, há causas sociais determinando certos comportamentos de jovens adolescentes que buscam, como esquizofrênicos, alcoólatras e psicóticos, a fuga da realidade em que habitam.

O assassinato do médico e ex-secretário de Saúde de Rondônia, Alexandre Carlos Macedo Müller, de 58 anos, cometido no dia 2 último, pelo próprio filho de 16 anos, ainda não foi submetido às análises sistemáticas acadêmicas mas, se insere nas estatísticas de cunho social que traduzem as aterradoras presenças de falsas realidades em jovens parricidas no Brasil. Os motivos que levaram o jovem a eliminar seu próprio pai em um surto violento, fazendo uso de uma faca, não podem ser explicados simplesmente por constatações de senso comum e, mesmo um estudo aprofundado com análise sistematizada, não revelariam causas exatas. Sobre o que disseram algumas das testemunhas junto aos investigadores do caso, o fator mais relevante está relacionado ao comportamento do jovem e uma possível ligação sua com grupos cultivadores de rituais satânicos e adoradores de Hitler. Nenhum dado concreto foi apresentado mas, as questões levantadas serão avaliadas pelos policiais do caso. A morte do médico é mais uma entre dezenas de crimes do tipo que ocorreram no País nos últimos anos. Para cientistas e estudiosos do assunto, a realidade brasileira apresenta um índice relativamente normal, mas que sempre causa estranheza e desconforto por se tratar de um extremo que invade, além do mais, as permissividades extremas dos acordos sociais. De acordo com declarações de jurista que preferiu não se identificar, é como se a legislação regulasse até mesmo a prática do assassinato. Porém, no caso de um parricídio, isso ultrapassaria dados limites.

As tentativas de compreender atos com características psicóticas são inúmeras. Indagados sobre o ato praticado pelo filho do médico Alexandre Müller, se característico de indivíduos com distúrbios mentais, investigadores que atuam no caso mostraram-se descrentes.

Esclarecendo a falta de especialidade para tal avaliação, opinaram que a conduta do jovem parricida pode ter sido construída a partir de suas relações com outros grupos, possivelmente radicais e seguidores de ícones da crueldade, como o próprio Hitler. “Isso é preocupante, pois, se esse for o caso, certamente outros adolescentes tendem a apresentar esse perfil posteriormente. Os pais devem ter sempre muito cuidado e estarem atentos aos filhos”, explica o policial que prefere não ser identificado.

Incidência de parricídio no País representa 2%

Em estudo que apresenta a incidência de parricídios no Brasil, pesquisadores da Faculdade Evangélica do Paraná explicam que os casos significam apenas 2% dos crimes contra a vida. O caso mais recente e de maior repercussão, na mídia nacional, foi o de Suzane Von Richthofem, que matou os pais com a ajuda do namorado, no ano de 2002, mês de outubro. As tentativas de explicar o acontecido e os motivos que levaram a parricida ao ato, juntamente com seus cúmplices, avançaram em todas as instâncias e camadas sociais. A realidade brasileira não chega a assustar, de acordo com o estudo, se confrontada com a do País vizinho, Chile, que detém a frequência de parricídios em 4,97% entre os homicidas condenados. “Os teóricos Dutton e Yamini explicam que muitos estudos sobre parricídio apontam a grande incidência de portadores de doenças mentais entre os agressores. Outras linhas de investigação científica mostram que 25% dos autores deste tipo de homicídio são psicóticos. Uma taxa de 43,47% que sofriam de algum tipo de doença mental foi encontrada entre os parricidas do Estado do Paraná. A pesquisa também aponta que a maioria dos adultos parricidas sofre de patologia mental severa, especialmente a esquizofrenia (na forma paranoide, com ideias delirantes e alucinações)”.

De acordo com o estudo, os principais resultados mostraram que dois terços dos parricidas matam os pais (homens) e 86% deste crime é praticado pelo sexo masculino. A maioria comete o crime sozinho (88%) e os que recebem ajuda para o homicídio, em geral, a recebem da própria família (irmãos, mãe, marido, namorado, etc). São poucos os que recorrem a estranhos para cometerem o homicídio (9 casos). A arma mais utilizada foi a arma branca (55,4%), seguida por arma de fogo (17,1%) e utensílios domésticos (16,3%), tais como frigideira, martelo, entre outros. Diferente dos crimes comuns, estes homicídios ocorrem preferencialmente em casa (90,2%).

Psicólogo Paulo Morais, da Universidade Federal de Rondônia

Psicólogo Paulo Morais, da Universidade Federal de Rondônia

“Eu, Pierre Riviére, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão”

O psicólogo Paulo Morais diz não ser capaz de apontar as causas e motivos que um parricida pode ter para a prática de seu ato. Entrevistado pelo Jornal Diário da Amazônia, o especialista enumerou alguns elementos que podem nortear uma tentativa de investigação. Porém, ele ressalva que o comportamento agressivo de um jovem tem uma infinidade de rumos e direções que torna a tarefa de mapeamento de difícil solução. “O contexto de cada situação é bem específico e não se pode afirmar uma verdade ou outra. A agressividade, frustração, dentre outros, pode ter raízes em muitos fatores, até mesmo genético”, explica.
Sobre a relação truculenta entre pai e filho, o psicólogo fez ressalva às questões culturais que envolvem as duas figuras.

Segundo ele, na maioria das vezes é grande a dificuldade de compreensão e aceitação do universo do outro. Os jovens sabem de coisas que os pais jamais vão perceber e, os pais, trazem informações de mundos que os filhos nunca visitaram. O especialista também assegura que o ambiente familiar bem solidificado, com as construções de regras e referenciais bem ambientados, podem facilitar a convivência e superação de dificuldades.

Um dos casos mais frequentados por teóricos de vários rumos da ciência, que remonta do século XVIII, é o caso de um jovem francês que, fazendo uso de uma foice, matou sua mãe, irmã e irmão. Um dos mais conceituados teóricos da atualidade, Michael Foucault, trouxe “Eu, Pierre Riviére, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão”. Um estudo de caso discutido pela teoria psicanalítica e que revela uma condição de razão para a prática do crime. O jovem Pierre, em toda a sua vida, foi tido como um idiota clínico. Em seus depoimentos, que deixou por escrito, ele justificou que cometeu o crime para livrar seu pai dos abusos da mãe. Ele montou a seguinte linha de raciocínio: Matou a mãe por esta explorar o pai. Matou a irmão por ser uma aliada da mãe. E matou o irmão por ser aquilo que o pai mais amava. Desta forma, o pai ficaria livre do sentimento de compaixão para com o assassino, pois teria que odiá-lo.

 



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