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Diário da Amazônia

Polícia mira operações com bitcoin de suposto hacker da Lava Jato

A defesa destacou que a perícia não encontrou crimes com criptomoedas

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Publicado: 05/09/2019 às 10h38min | Atualizado 05/09/2019 às 10h44min

Análise dos relatórios de perícia em computadores e celulares apreendidos com os quatro suspeitos de hackear o Telegram de autoridades revela que a Polícia Federal busca operações deles com bitcoins (uma moeda virtual), mas não encontrou, até o momento, ligação entre transações financeiras e o vazamento de mensagens.

Os relatórios foram encaminhados à Justiça Federal na sexta (30) junto com uma manifestação do delegado Luís Flávio Zampronha para manter dois suspeitos presos e liberar outros dois.

A reportagem teve acesso a quatro relatórios referentes à perícia em equipamentos de Walter Delgatti Neto, Danilo Marques e o casal Gustavo Elias Santos e Suelen Oliveira. O primeiro afirmou à PF que invadiu sozinho o Telegram do procurador Deltan Dallagnol e repassou as mensagens ao site The Intercept Brasil.

Os relatórios de perícia são parciais, ou seja, não esgotaram a análise dos aparelhos e ainda podem ser complementados.

No laudo referente aos equipamentos de Delgatti -dois computadores, dois pendrives, um CD, dois HDs externos e um chip-, o delegado formulou quesitos para a perícia responder.

A principal questão era para a perícia indicar “quais carteiras digitais e transações com criptomoedas foram encontradas”.

A perícia respondeu que “não foram encontradas chaves privadas ou carteiras de moedas nos materiais examinados, apenas algumas referências a endereços de Bitcoin no notebook do item 01 [da marca Apple], sem relação com as atividades do usuário do equipamento”.

O delegado pediu à Justiça para manter a prisão de Delgatti porque ele “apresentou informações contraditórias a respeito de outros possíveis envolvidos” nos crimes e porque parte do material apreendido com ele ainda depende de análise.

Dos quatro relatórios de perícia, somente o referente a um celular de Danilo Marques faz menção direta ao hackeamento do Telegram de autoridades.

“No que tange ao ‘vazamento’ de conteúdo de conversas privadas do aplicativo Telegram de autoridades da República, a partir do diálogo abaixo infere-se que Danilo soube por Walter [Delgatti] que este havia concorrido para a liberação do conteúdo para veículo de comunicação”, diz o documento.

Em seguida, é transcrita uma conversa de WhatsApp entre os dois, na qual Delgatti escreve, em 12 de junho: “Eu que vazei mano”, “Todos os jornais postaram agora”, “Passou na tv”. As mensagens da Lava Jato haviam começado a ser divulgadas pelo Intercept em 9 de junho.

O relatório continua destacando um diálogo entre Delgatti e Danilo, também pelo WhatsApp, de 10 de abril. “Cerca de dois meses antes da veiculação na mídia sobre o conteúdo das mensagens privadas das contas Telegram de autoridades, Danilo é informado por Walter que ‘acabou a tempestade’, ‘veio a bonança’, sugerindo melhora financeira”, diz a perícia. “Walter envia a Danilo o texto @chefedeestado. Sugerindo algum efeito”, continua.

A perícia não faz afirmação de que há relação entre essas mensagens e a invasão do Telegram, objeto principal do inquérito. Pessoas ligadas à investigação, ouvidas pela reportagem, disseram considerar que é preciso apurar as conversas, mas ainda não há vínculo estabelecido com pagamentos.

Antes de o relatório de 15 páginas se referir ao hackeamento, em suas três folhas finais, os peritos transcrevem uma série de mensagens de WhatsApp que indicam que Danilo auxiliava Delgatti em fraudes bancárias.

Os documentos não fazem, por ora, ligação entre as fraudes bancárias e a invasão do Telegram. “Infere-se a partir de diálogo que Danilo era parceiro de Walter nas empreitadas criminosas envolvendo fraudes bancárias. Danilo se encarregava de encontrar laranjas para Walter depositar o dinheiro sabidamente oriundo das fraudes, situação que rendia a Danilo de entre 20% e 50%”, diz o relatório, com base em um diálogo de junho deste ano.

A PF se manifestou pela soltura de Danilo sob o argumento de que ele não oferece mais riscos à investigação.

Os relatórios mais longos são os dos equipamentos apreendidos com Gustavo Elias Santos e sua mulher, Suelen. Conforme os documentos, há indícios de que o casal praticava fraudes bancárias, em cartões de crédito, e também fazia operações com bitcoins -que ainda não foram esclarecidas.

“Gustavo é bastante ativo no WhatsApp, onde participa de diversos grupos, a grande parte relacionada a fraude bancária”, destaca a perícia, listando os nomes de alguns desses grupos. Entre eles há “Conexão Brasilia” e “Conexão Brasilia 171 Team”, mas não há detalhes. A polícia suspeita da participação de um homem de Brasília nos crimes apurados.

Com base no relatório da perícia, o delegado informou à Justiça que no celular de Gustavo Santos “foram encontradas referências a carteiras de criptomoedas (bitcoin), mas sem qualquer indicativo de que estaria em posse de grandes valores”.

“Entretanto, pode-se afirmar que Gustavo apresenta versões contraditórias a respeito de mensagens relacionadas à comercialização de criptomoedas que foram encontradas em seu aparelho de telefonia celular, como por exemplo o relato sobre a intermediação de uma venda de bitcoins, no valor de cerca de R$ 1,5 milhão, entre indivíduos conhecidos apenas pelas alcunhas de ‘Paraguai’ e ‘Maku’.” Essa é uma das razões para a PF sustentar a necessidade de manter a prisão preventiva de Santos.

Quanto a Suelen, a perícia em seus equipamentos aponta uma série de conversas com o marido que indicariam que ela o ajudava nas fraudes bancárias e de cartões de crédito. O documento, porém, ressalva que não foram localizados “áudios, imagens, documentos ou até mesmo conversas que pudessem interligar diretamente Suelen às invasões de ‘devices’ [dispositivos] de autoridades”.

A PF também pediu a soltura de Suelen com a substituição da prisão por outras medidas cautelares, como a proibição de se mudar e de manter contato com os outros investigados.

OUTRO LADO

As defesas dos quatro suspeitos afirmam que a Justiça Federal em Brasília não tem atribuição para julgar fraudes bancárias cometidas em São Paulo. Para elas, o inquérito deveria ser sobre o hackeamento, e não sobre supostos estelionatos.

“Até o momento não há elementos probatórios para manter a custódia cautelar, tanto do Walter como das demais pessoas”, disse Luis Gustavo Delgado Barros, advogado de Delgatti. O advogado destacou que a perícia não encontrou crimes com criptomoedas e que seu cliente entregou as senhas de seus aparelhos para facilitar o trabalho da polícia.

A defensora pública federal Manoela Cavalcanti Barros, que defende Danilo Marques, disse que ele “está preso há 40 dias por um inquérito que se refere a uma investigação de invasão de Telegram”.

“Qualquer outro indício da prática de fraude bancária deve ser investigado pela polícia do local da consumação do crime. Ademais, a lei orgânica da Justiça Federal prevê que o inquérito, em caso de investigado preso, deve finalizar em 30 dias, o que não ocorreu”, afirmou.

Para a defensora, as mensagens encontradas no celular de Danilo, de junho, indicam que ele não tinha conhecimento anterior ou concomitante às invasões supostamente efetuadas por Delgatti.

O advogado Ariovaldo Moreira, que representa o casal Gustavo Santos e Suelen Oliveira, disse que “o que se discute aqui é a interceptação, não estelionato”. “A 10ª Vara Federal de Brasília não é competente nem para julgar a interceptação, que é [de atribuição] do juiz da Justiça estadual de Araraquara, menos ainda o estelionato. Se houve estelionatos, aconteceram em Araraquara, em Ribeirão, em São Paulo”, disse.

Segundo Moreira, a operação com bitcoins citada pela PF, de R$ 1,5 milhão, era uma intermediação de compra da moeda, por um potencial investidor, que não se concretizou.

 



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