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Diário da Amazônia

Quatro em cada dez desempregados vivem de “bicos”

Muitas vezes, trabalho informal pode virar a porta de saída do desemprego ou do subemprego e a volta à atividade remunerada

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Publicado: 12/03/2020 às 17h09min | Atualizado 12/03/2020 às 17h11min

Praticamente quatro em cada dez desempregados têm recorrido ao trabalho informal para se sustentar e quase 30% tem parte das despesas pagas pela família e amigos.

Serviços gerais (19%), revenda de produtos (14%) e venda de comida (13%) são as áreas que concentram os “bicos”, aponta pesquisa sobre o perfil dos desempregados da CNDL/SPC Brasil. A enquete ouviu em dezembro último 604 desempregados, com mais de 18 anos, de todas as classes sociais em 27 capitais.

Muitas vezes esse trabalho informal pode virar a porta de saída do desemprego ou do subemprego e a volta à atividade remunerada, mas agora como empreendedor. Em fevereiro deste ano, 140 mil pessoas se inscreveram nos cursos gratuitos a distância oferecidos pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Foi um recorde histórico para o mês, que normalmente tem procura fraca. Em relação a fevereiro de 2019, o aumento da demanda por cursos foi de 51%.

Em janeiro a demanda pelos cursos a distância, com aulas ministradas por meio de tutoriais, tinha avançado 23% na comparação anual, com a marca inédita de 163 mil inscritos. Os mais procurados foram gestão financeira, marketing digital, boas práticas nos serviços de alimentação, aprendendo a empreender e gestão de pessoas.

“A maior demanda por cursos pode ter sido provocada por pessoas tirando projetos da gaveta para tentar empreender, a fim de reverter o desemprego ou o subemprego”, diz Enio Pinto, gerente nacional do Sebrae de relacionamento com o cliente.

O executivo conta que o maior interesse das pessoas para empreender ficou nítido também em dois indicadores do Sebrae que atingiram marcas recordes em 2019 em 47 anos de funcionamento do serviço. No ano passado, 2,5 milhões de CPFs (Cadastro de Pessoas Físicas) procuraram a entidade para saber como abrir um negócio próprio e um milhão de pessoas se matricularam em cursos a distância. “Os candidatos a empreendedores estão procurando se profissionalizar porque o mercado está mais competitivo.”

‘Consegui entrevistas por causa dos cursos’
Desempregado há sete meses, desde que perdeu o emprego de motorista numa construtora onde trabalhava há seis meses, Alessandro Soares da Silva, de 39 anos, fez dois cursos de qualificação a distância. Um de segurança para trabalhar com eletricidade e outro para executar serviços em áreas de grande altura. Pelos dois cursos, feitos em janeiro e fevereiro, ele desembolsou R$ 300. O dinheiro saiu da última rescisão.

Silva tem ensino médio completo e é técnico de segurança do trabalho. No momento faz bicos em obra, nas áreas de elétrica, pintura e hidráulica, enquanto a vaga com carteira assinada na área de manutenção predial que ele procura não chega. Com os bicos, ele tira R$ 1.500 por mês, muito menos do que ganhava quando estava empregado: de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil.

“Os cursos de qualificação ajudam bastante, já consegui algumas entrevistas por causa disso”, diz o desempregado. No momento, Silva diz que não tem nenhuma oportunidade engatilhada. Ele conta que chegou a ser chamado para uma vaga, mas não deu certo. É que o local de trabalho era totalmente fora de mão da onde ele mora, na Zona Norte, e a empresa pagava apenas uma condução. Por isso, não compensava.

Silva tem planos de fazer mais um curso, de refrigeração. Mas ele diz que está a procura de um treinamento de graça. “Difícil achar curso gratuito e quando existe as vagas disponíveis são incompatíveis com o horário oferecido porque tenho de fazer bicos para viver.”

‘Está difícil encontrar um curso gratuito’
Hélio Rocha de Barros, 28 anos, foi contratado como temporário e sem registro para executar serviços de logística na Black Friday e faz 20 dias que foi dispensado. Antes disso, trabalhou durante nove meses na área de logística e foi demitido em 2018 num corte que houve na empresa. “Implantaram um novo sistema e o trabalho que eu fazia eles não precisavam mais.”

Casado e pai de um filho, Barros tem ensino médio completo, mas nenhum curso de qualificação no currículo. “Estou tentando estudar inglês, mas está difícil encontrar um curso gratuito”, diz o desempregado. Ele conta que descobriu que existe um programa bilíngue oferecido pela Prefeitura. Fez a inscrição e no momento tem estudado sozinho. “Já perdi oportunidades por não ter inglês no currículo, sem qualificação está difícil”, reclama.

Enquanto procura uma vaga na área de logística, Barros ajuda a mulher que é autônoma e faz doces para vender. No momento ele consegue se manter desta forma e com os bicos. Quando estava empregado, tirava entre R$ 1.300 e R$ 1.400 por mês. Hoje Barros procura uma vaga na área de logística ou como operador de loja. “Mas o que pedirem para eu fazer eu topo.”

O desempregado reserva três dias na semana para entregar currículos. Ainda não foi chamado para entrevistas. “Este ano está meio devagar.” Ele acredita que, além da conjuntura mais difícil, a falta de qualificação para ocupar determinados cargos atrapalha. “Há uma superoferta de currículos nas agências”, diz.

Foto: reprodução

‘Tem muita gente sem qualificação que está trabalhando’
Aluna do segundo ano de Direito, Beatriz Gomes Oliveira, de 20 anos, está desempregada faz nove meses. Ela trabalhava com telemarketing e pediu demissão depois que a empresa decidiu suspender o pagamento do transporte para os funcionários. “Está difícil para se recolocar: faço entrevista, deixo currículo e eles nunca retornam”, conta.

Beatriz diz que está a procura de um emprego na área de marketing ou em qualquer outra área. Também buscou estágio em Direito, mas não apareceu nada. A estudante fala inglês, mas não tem outros cursos. Na sua opinião, a dificuldade de se recolocar está na grande oferta de desempregados que existe no mercado, não de falta de qualificação da mão de obra. “Tem muita gente sem qualificação que está trabalhando.”

Como assistente de telemarketing, Beatriz ganhava um salário mínimo. Agora ela está disposta trabalhar pelo mesmo valor, desde que consiga pagar a faculdade. No momento, conta que recebe ajuda da mãe, que está empregada. A estudante tem expectativa de voltar a se recolocar até o final do ano, apesar de achar que a situação do País não melhorou.

Mariana da Cruz Alves Bezerra, de 19 anos, trabalhava numa lanchonete e fazia de tudo. Entrava às 9h e saia às 19h30 e ganhava R$ 1.200 por mês. Faz um ano que deixou o emprego porque não era registrada.

Agora Mariana procura uma vaga com carteira assinada. “Eu me inscrevo em todas as áreas possíveis: telemarketing, vendas, recepcionista etc. Eles chamam, fazem entrevista, aquela coisa mil maravilhas, falam que vão retornar e não retornam.”

Ela não terminou o ensino médio, mas diz que pretende voltar a estudar. Conta que interrompeu o estudo porque precisava muito emprego. “Na época os horários não batiam e preferi trabalhar a estudar.”

Questionada se ela procura um curso de qualificação, Mariana responde que está a procura de um emprego. “Conheço pessoas que têm um currículo recheado e não conseguem trabalho”, diz. Ela pondera que, no caso de cursos gratuitos, há problemas de horário para quem procura emprego. “Se eu fizer uma coisa (procurar emprego), não posso fazer outra, mas pretendo estudar inglês quando der.” Ela chega a se inscrever em 50 sites de emprego por dia. No momento, Mariana mora com a irmã que banca toda as despesas.

Fonte: Terra



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