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Diário da Amazônia

Riscos ambientais de trabalho geram multas milionárias

Os valores exigidos têm como base uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015.

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Publicado: 29/01/2020 às 15h41min

Indústrias vêm sendo surpreendidas com cobranças milionárias da Receita Federal. Os valores se referem ao adicional da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) – a nova denominação para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) -, pago quando há empregados com direito à aposentadoria especial. Os valores exigidos têm como base uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015.

Os ministros confirmaram a tese, em repercussão geral, de que se a empresa fornece equipamento de proteção individual (EPI) eficaz, o empregado não tem direito a se aposentar com menos tempo de serviço. Abriram uma exceção, porém, aos casos de funcionários expostos a ruídos (ARE nº 664.335).

É com base nessa exceção que a Receita decidiu cobrar retroativamente as indústrias. Elas alegam, porém, que são liberadas, por lei, do pagamento quando adotam medidas de proteção aos funcionários e afirmam que os ministros, no julgamento, não trataram sobre a alíquota adicional do RAT.

As empresas pagam o adicional conforme o tempo de aposentadoria a que o seu funcionário tem direito – 15, 20 ou 25 anos. Se o empregado precisar trabalhar só 15 anos, o empregador terá de recolher o percentual máximo de 12%, o que pode totalizar 15% (1%, 2% ou 3% da alíquota básica do RAT mais 12% do adicional) sobre a remuneração daquele funcionário. Se forem necessários 20 anos para o empregado requerer a aposentadoria, a alíquota adicional será de 9%. No caso de 25 anos, o acréscimo será de 6%.

O advogado Alessandro Mendes Cardoso diz que as empresas não estavam preparadas para a ofensiva da Receita. Um único cliente, destaca, recebeu uma cobrança de R$ 6,5 milhões – referente aos anos de 2015 e 2016. “O fiscal provavelmente vai ainda fiscalizar de 2016 para frente. Esse é só o começo”, avalia.

O especialista diz que as empresas não estavam preparadas porque pela Lei nº 8.213, de 1991, que regulamenta a aposentadoria especial, se o empregador conseguir reduzir o “agente agressivo” aos limites adequados para a segurança do seu funcionário, a aposentadoria especial não será necessária e a empresa não precisará arcar com a alíquota adicional do RAT.

Esse “agente agressivo” que consta na lei é o que torna o ambiente de trabalho arriscado à saúde. São elementos químicos, físicos ou biológicos aos quais o trabalhador fica exposto durante o expediente. “Mas podem ser reduzidos por meio de EPI (equipamento de proteção individual). O empregado passa a, comprovadamente, trabalhar dentro do limite permitido”, afirma.

A Receita Federal entende que como a alíquota adicional serve de custeio para a aposentadoria especial, a cobrança às empresas tem de ser automática – mesmo os ministros do STF não tratando do tema no julgamento. O Fisco começou a dar indícios de que usaria a tese para fazer as cobranças em maio do ano passado, ao divulgar o seu Plano Anual de Fiscalização. Esse tema consta no documento. Segundo o órgão, havia, na época, indícios de irregularidades em mais de 370 empresas e os valores estimados em arrecadação se aproximavam de R$ 1 bilhão.

Meses depois, em setembro, a Receita publicou norma sobre o tema. Trata-se do Ato Declaratório Interpretativo nº 2. Nesse texto consta, de forma expressa, que a empresa terá de recolher a alíquota adicional de RAT mesmo adotando medidas de proteção coletiva ou individual para neutralizar ou reduzir o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância nos casos em que não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial.

O Fisco deixa claro ainda, no texto, que atos normativos emitidos anteriormente e com conclusão diversa ficariam revogados. O Ato Declaratório Interpretativo nº 2 passou, então, a orientar os fiscais da Receita Federal sobre como agir nas fiscalizações. Essa questão estava adormecida e, com a fiscalização de 2019, superaqueceu”, diz o advogado Pedro Ackel. Ele afirma que as empresas pensavam estar protegidas com o atestado do engenheiro e com o uso do EPI. “Estão surpresas e não têm sequer a provisão desses valores.”

Não há notícias ainda de decisões judiciais sobre essas autuações. O advogado Alessandro Mendes Cardoso chama a atenção, porém, que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem adotado o mesmo entendimento do Fisco para processos anteriores, em que Receita e contribuinte discutiam sobre a eficácia do EPI. O Carf tem tratado a discussão probatória como irrelevante porque o Supremo já decidiu que para a exposição ao ruído não interessa se há ou não o EPI”, diz. “Só que há dois problemas aí. Um deles é que o STF não tratou sobre a alíquota adicional do RAT na sua decisão e o segundo é que mesmo se tivesse tratado, o entendimento não poderia ser aplicado para fatos anteriores.”

 

Fonte: Valor Econômico



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