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Cidades

Tragédia em mariana ainda não existe prescrição

O medo de ficar sem reparação alguma se alastrou pelas comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.

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Publicado: 05/11/2018 às 09h40min

“O atendente da Fundação [Renova] informou que, caso o(a) impactado(a) não queira fazer um acordo no PIM [Programa de Indenização Mediada], existe um prazo para o(a) impactado(a) buscar seus direitos no Judiciário, que termina em 4 de novembro de 2018.”

O trecho aparece em uma ata de reunião entre a Fundação Renova, constituída pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton para reparar os danos do rompimento da barragem de Fundão, e um pescador atingido de Linhares (ES).

No encontro, em 23 de fevereiro, ele aderiu ao programa de indenização da Renova, feito extrajudicialmente, para que pudesse receber pagamento por danos morais e materiais, além de pagamento pelos lucros que deixou e deixará de receber até que a pesca possa ser restabelecida.

O que chamou a atenção de defensores públicos do Espírito Santo que acompanhavam a reunião entre a Renova e o pescador foi a informação equivocada sobre o prazo de prescrição para requerer direitos indenizatórios na Justiça.

O medo de ficar sem reparação alguma se alastrou pelas comunidades atingidas e, nos meses que antecederam o terceiro aniversário da tragédia, houve uma corrida à Justiça para ajuizar ações individuais de indenização.

Só na Vara Civil de Linhares há 600 processos para serem distribuídos. “É muito fácil convencer aquelas pessoas que já estão num processo do próprio desastre de ansiedade e de violações de direitos de que aquilo pode acabar e que eles vão ficar realmente sem receber suas indenizações”, diz a defensora pública Mariana Andrade.

Advogados também se aproveitaram para oferecer aos atingidos representação em processos judiciais, com a condição de ficarem com até 30% de uma eventual indenização.

“Ou por desconhecimento ou por má-fé, [advogados] estavam, a pretexto de uma suposta prescrição, captando, contrariamente ao que determina a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], cliente”, diz o procurador José Adércio Leite Sampaio, chefe da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) que investiga o rompimento da barragem.

Nas palavras dele, houve ação de “oportunistas que tentam ganhar dinheiro com a tragédia”. Um inquérito foi aberto pela Polícia Federal em Linhares para apurar o caso. Há também relatos de advogados com atuação em São Mateus (ES), Governador Valadares (MG), Aimorés (MG) e Barra Longa (MG).

O MPF tem gravações de advogados captando clientes em Minas e no Espírito Santo com o mesmo argumento. O órgão, em conjunto com a OAB, poderá investigar os casos.

Segundo Sampaio, para evitar a interpretação errada, que estava sendo aplicada mesmo pela Fundação Renova ao menos até março, foi necessário firmar um acordo entre as mineradoras, a Renova, as Defensorias e Ministério Público, o que foi feito no último dia 26.

O termo de compromisso estabelece que não haverá prescrição e que as vítimas da tragédia deverão ser indenizadas de maneira integral.

O boato de que a possibilidade de reivindicar reparação seria extinta no próximo dia 5 tem origem no artigo 206 do Código Civil, que estabelece a prescrição da pretensão de reparação civil em três anos.

Porém, para defensores públicos e membros do Ministério Público, de Minas e do Espírito Santo, o entendimento jurídico é o de que o prazo sequer começou a ser contado. Isso porque existe um processo de negociação em andamento, formalizado por um Termo de Ajustamento de Conduta homologado em agosto pela Justiça, entre esses órgãos e as mineradoras para que haja a reparação integral dos direitos dos atingidos.

A aplicação do cadastro dos atingidos em alguns locais, como Mariana, ainda está em estágio inicial. Somente a partir do levantamento serão estabelecidos valores.

“Seria uma violação da boa-fé objetiva tremenda, depois da assistência de vários desses programas [de indenização da Fundação Renova], no meio dessas negociações e dessa pactuação, alegar a prescrição”, diz Renan Oliveira, da Defensoria Pública da União.

Em março, uma recomendação do Ministério Público à Fundação Renova, para evitar abusos e que os atingidos fossem induzidos a erro, pedia que a entidade não alegasse a suposta prescrição.

A medida não foi suficiente para evitar os rumores. “Há boatos de que alguns entraram com ações individuais”, diz Antônio DaLua, de Bento Rodrigues, distrito de Mariana destruído pela lama.

Em Mariana, a comunidade optou por uma ação civil pública. Atingidos ouvidos pela Folha que procuram a Justiça individualmente evitam comentar a atitude por temer críticas dos demais. “No dia 6 de novembro de 2015 já tinha advogado lá oferecendo serviço”, diz o morador de Bento.

Para a defensora pública do ES, o acordo que reitera a não prescrição deveria ter sido feito antes. “A gente iria evitar que diversas ações fossem propostas de forma açoitada, sem o atingido poder pensar se ele quer ou não propor uma ação, devido à coação do prazo estar correndo.”

Sampaio afirmou que foi preciso cerca de dois meses de negociação para que as mineradoras aceitassem colocar o compromisso no papel. “Havia uma dificuldade tremenda em se obter um reconhecimento das empresas de que não haveria prescrição dos direitos dos atingidos”, disse.

Segundo a Fundação Renova, o acordo de não prescrição reforça a continuidade de pagamento de indenizações. “A fundação ressalta que seguirá executando normalmente, após o dia 5 de novembro de 2018, todas as suas atividades e programas”, informou.

“Em março de 2018, a Fundação Renova acatou a orientação do Ministério Público de não informar sobre prazo de prescrição em suas negociações de indenizações.”

Em nota, Samarco, Vale e BHP afirmaram que “reiteram seu compromisso em reparar e compensar os impactos causados pelo rompimento da barragem de Fundão”.

“A finalidade [do acordo] é esclarecer que os direitos dos atingidos serão mantidos após o dia 5 de novembro de 2018, reafirmando as obrigações assumidas pelas empresas e pela Fundação Renova.”

As OABs de MG e”do ES não responderam sobre relatos de condutas irregulares de advogados e eventuais punições.



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