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RONDÔNIA

Crianças sentem o desamor dos pais e entram em depressão

  Um rastro de destruição corta a mente da criança quando ela escuta das pessoas que deveriam lhe amar que ela não tem nenhum..

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Publicado: 29/09/2014 às 13h06min

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Um rastro de destruição corta a mente da criança quando ela escuta das pessoas que deveriam lhe amar que ela não tem nenhum valor. Passados alguns anos, está ali aquele adolescente, ou adulto, com transtorno de personalidade. Essa violência moral tem recebido pouca atenção de pais e demais adultos em família. Como resultado, um volume muito grande de adolescentes deprimidos. Alguns casos progridem para a prática de suicídios. A médica psiquiátrica Renata Gaspari, do Centro de Atenção Psicossocial Infantil Juvenil (CAPs), diz que além da influência dos adultos, alguns acontecimentos podem marcar a infância e colaborar para que a criança desenvolva alteração em seu comportamento. Exemplo disso, segundo ela, são filhos de relacionamentos que não deram certo e os pais rejeitam a criança promovendo o tão conhecido jogo de empurra-empurra: “É comum, nestes casos, as crianças serem ‘entregues’ na casa dos avós e serem criadas por todos que fazem parte da casa. Ela é de todo mundo, mas não é de ninguém”, define Gaspari.

Para cada suicídio, no Brasil, são verificados 5,5 homicídios e 4,5 mortes no trânsito. Os dados são do Ministério da Saúde e aponta um crescimento do número de sucídios em comparação com os de assassinatos e mortes no trânsito. Isso, em tabela que apresenta dados referentes aos anos de 1980 a 2012. De acordo com a estimativa, no País a taxa subiu de 4,4 para 5,3 suicidios por grupo de 100 mil habitantes. O crescimento é de 20,3%. As regiões Norte e Nordeste apresentam dados acima da média nacional. Paraíba, Bahia e Amazonas têm as maiores complexidades no que se refere ao crescimento do número desse tipo de morte. Em Rondônia, nos anos de 2010, 2011 e 2012, aconteceram 82, 78 e 73 suicídios. O ano de 2009 foi o de maior ocorrência, 84 casos.

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Familiares são os que mais agridem crianças

Os quantitativos da violência contra a infância, registrados no Ministério da Saúde (Sinan), “siginificam apenas a ponta de um iceberg das violências cotidianas que acontecem mesmo no ambiente familiar vitimando principalmente menores com idades que variam entre 1 e 14 anos. São demandas atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Outras agressões de diversas naturezas nunca chegam a ser reveladas.
Os dados mais impressionantes dizem respeito às agressões praticadas pelos próprios familiares dessas crianças. De acordo com os dados do Sinan, no ano de 2011 foram registrados atendimentos de 5.354 crianças agredidas pelos próprios pais. As mães aparecem nos registros de 7.471 ocorrências. Padrastos e madrastas, respectivamente, estão em 337 e 37 ocorrências.

Sobre os tipos de violências com atendimentos pelo SUS, contra crianças, foram registradas ocorrências das seguintes categorias: física, moral, tortura, sexual e abandono. Isso entre as idades de 1 a 14 anos. O levantamento também apresenta dados para os Estados da região Norte que estão assim descritos: Acre (518 agressões), Amapá (242), Amazonas (2.015), Pará (1.764), Rondônia (221), Roraima (609) e Tocantis (940). Os dados são de 2011 e consideram pessoas com idades entre 1 e 19 anos.

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“As crianças chegam com fortes sintomas de depressão”

Trabalhando há mais de dois anos no acompanhamento de crianças que chegam ao Centro de Atenção Psicossocial Infantil Juvenil (CAPs) de Porto Velho, a clínica geral Renata Agostinho de Gaspari, que se especializa em Psiquiatria, alerta para o fato de muitas crianças chegarem ao local com marcas de depressão. “Elas chegam aqui muito abaladas e descrentes de seus potenciais. Sentem-se, fracassadas. Muitas não conseguem levantar a cabeça e falam em tirar a própria vida. Algumas, têm cortes e cicatrizes, marcas de agressões produzidas por elas mesmas. Temos casos de crianças que se jogaram contra veículos pelas ruas”, explica a especialista preocupada com o número tão exagerado de casos com essas características.

Cuidadosa com as explicações, Renata Gaspari conta que as crianças costumam absorver expressões que reforçam o negativismo que setem. Do tipo: “você não presta, não faz nada certo ou é igual ao seu pai”. Para a criança, segundo Renata, é muito difícil a superação, posto que esta encontra apenas duas alternativas para isso. Ela pode buscar meios para anulação do que escutara, o que é mais difícil, ou cair para a aceitação. Assim, vai desenhando sua fuga de uma realidade que a maltrada e tira suas forças para a vida cotidiana. “Isso produz, na maioria das vezes, um adulto inseguro e em conflito consigo mesmo. Pois, os agravos da violência moral podem desencadear transtornos de humor, como depressão e até interferir, no que a medicina chama de transtorno da personalidade, que são alterações na forma do indivíduo perceber o mundo. Palavras machucam mais que a agressão física”, diz.

  • Enquete

A personalidade da criança pode ser influenciada, em sua construção, por palavras agressivas dos pais?

C2 e C3 - JOSINA ARAUJOIMG_9598 (13) copyJosina Araújo, Comerciante,  Acredito que sim. A criança absorve essas informações e acredita nisso. Nós, os adultos, quando ouvimos algo forte a nosso respeito ficamos pensativos: será que sou isso mesmo? Então, você imagina o que acontece com uma criança”.

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Roseli Camargo,  comerciante,  Isso faz sentido. Você cria seu filho com carinho e ele será tranquilo. Se o pai educa o filho com agressividade e machuca com palavras, essa criança pode ficar revoltada. Você veja um mendigo, que vive jogado na rua. Ele não nasceu mendigo, foi má condição de vida.

“Precisamos trabalhar com uma cultura de paz”

Vinicius Valentin Raduan,  sociólogo

Vinicius Valentin Raduan,
sociólogo

O sociólogo e professor da Universidade Federal de Rondônia, Vinícius Valentin Raduan Miguel, durante entrevista ao Diário da Amazônia, explica que as questões de violência podem ser tratadas dentro da própria educação. Segundo ele, a sociedade precisa trabalhar com uma cultura de paz buscando mais coesão social. Vinícius Raduan também destaca na discussão pontos elementares que explicitam a presença de marcas de exclusão e segregação como pontos que ainda hoje estão embrenhados na sociedade e que precisam ser desatados. O sociólogo também lembra que a legislação brasileira já pune aqueles que atuam de forma racista e excludente. Ele também ressalta que aqueles que tem mobilidade reduzida também tem o amparo da lei. Mas, é preciso ficar atento a outras formas de violência que são praticadas, principalmente contra crianças e adolescentes. “É preciso conferir dignidade às pessoas que são, por alguma razão, vítimas da exclusão e marginalização. É preciso tomarmos consciência disso e enfrentarmos abertamente nossos racismos e práticas de diferenciação depreciativa para com o outro, sejam elas culturais, econômicas, étnicas, linguísticas, religiosas ou políticas”, argumenta Vinícius Valentin.



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