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RONDÔNIA

A invisibilidade feminina no cenário da ocupação e transformação local

Os primeiros habitantes a ocupar a região denominada “Flona do Jamari”, em Rondônia, estão na Amazônia há mais de 12 mil anos...

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Publicado: 20/10/2014 às 14h37min | Atualizado 28/04/2015 às 12h48min

Calcula-se que mais de 60 mil pessoas migraram para trabalhar nos seringais da região amazônica

Calcula-se que mais de 60 mil pessoas migraram para trabalhar nos seringais da região amazônica

Os primeiros habitantes a ocupar a região denominada “Flona do Jamari”, em Rondônia, estão na Amazônia há mais de 12 mil anos. São as populações indígenas. Porém, apenas por volta de 1688, através das missões jesuítas ocorreram os primeiros contatos de identificação. No século XVI, esses povos são expulsos, principalmente da região hoje denominada Rondônia. Tais fatores marcaram os primeiros imbróglios de movimentos recentes das grandes movimentações humanas, as migrações.

As características do desenrolar histórico tomaram vários rumos e as tendências de descrição desses fatores, na maioria das vezes, deixaram a presença feminina na invisibilidade. Porém, as mulheres tiveram papel fundamental e, muitas vezes, primordial nesses grandes movimentos humanos de deslocamento.

A pesquisadora Lilian Maria Moser, durante palestra no XXV Simpósio Nacional de Fortaleza, no ano de 2009, apresentou a temática “Mulheres de Rondônia: Construção do Feminino a partir da Migração das Décadas de 1970 a 1990”. Também a pesquisadora Maria das Graças Silva, em seu livro “O Espaço Ribeirinho”, traz o capítulo “O trabalho da mulher no corte da seringa”.

Um terceiro trabalho de pesquisa, feito sobre aspectos da presença feminina na formação de Porto Velho, ainda está em fase de finalização e aborda o cenário local no início do século passado, quando da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. De acordo com preliminar do estudo, as esposas de barbadianos tiveram atuação exemplar na configuração de um modelo de uma educação único e com resultados surpreendentes.

Dentro de um cenário que apresenta centenas de obras sobre a história de formação porto-velhense, essas pesquisas significam “uma agulha no palheiro”, considerando que esses materiais não estão à disposição do público em geral.

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Lilian Maria Moser Pesquisadora

Lilian Maria Moser
Pesquisadora

Migração das Décadas de 1970 a 1990 na construção da história de Rondônia

O recente processo de colonização por que passou o estado de Rondônia deixou algumas características singulares. Em pesquisa desenvolvida pela professora Lilian Maria Moser, da Universidade Federal de Rondônia, e apresentada durante Simpósio Nacional de História, em Fortaleza, Ceará, foi tratada a condição feminina, no cenário da ocupação. De acordo com a pesquisadora, “a própria condição feminina está carregada da radicalidade na questão de gênero, em que a sociedade pensa. Ela age e planeja no masculino o imaginário que é expresso na linguagem e delimitada no feminino. Seu valor baseia-se na identificação com o masculino”, explica.

Lilian Moser ressalta também que as mulheres iniciaram o processo de reconstrução local através de suas experiências e memórias, o feminino e sua identidade. Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco, Moser é doutora em Ciências Sócio Ambiental com desenvolvimento de pesquisa concentrada nos temas de história e memória, cultura e cultura étnica, colonização e C2 e C3 copymigração, gênero e educação. “Nesse processo migratório, em Rondônia, na maioria das vezes, os homens deixavam a família no seu local de origem e “vinham na frente” para dar início ao roçado, construir um barraco e num período de três a seis meses, buscavam a família ou mandavam buscá-la através dos seus parentes ou conhecidos residentes em outros Estados brasileiros. Nesse retorno, outras famílias aproveitavam a viagem para conseguir um lote de terra em Rondônia”.

Lilian esclarece também que a mulher, em sua maioria, viajava a Rondônia para encontrar seu marido, alguns meses depois, no período de três a seis meses. Ao deparar-se com a realidade encontrada, em condições precárias, rústicas e sem a infraestrutura necessária para morar, dificilmente aceitava tal situação. “Porém, não havia possibilidades de retornar ao seu local de origem e também não cabia a ela a decisão de escolher o local, a terra e nem o tipo de plantação”, esclarece a pesquisadora em seu artigo publicado logo após o evento.

Mulheres proprietárias de títulos de terra

Pesquisa desenvolvida em 2001 com dados sócioeconômicos de mulheres casadas e que desempenhavam atividades rurais, além de atuarem como chefes de suas famílias. No gráfico, faixa etária, por ano de maior concentração, por idade de mulheres proprietárias de lotes rurais.

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Suzi Shen Alcântara Pires,  Pesquisadora

Suzi Shen Alcântara Pires,
Pesquisadora

Leitores não encontram muitas obras que falem da figura feminina no cenário da migração

As principais bibliotecas públicas de Porto Velho, algumas internas às escolas da rede de Ensino Médio do Estado, não têm produções qualificadas ao alcance dos alunos. A maioria dos livros, de acordo com informações dos próprios professores, trazem apenas abordagens superficiais e insuficientes para um conhecimento aprofundado sobre a região. Principalmente, no que diz respeito aos aspectos históricos e de formação cultural. Um dos exemplos é o tema “migração”, que na maioria das obras consta apenas de forma sútil, com poucos capítulos e trazendo a história apenas de algumas famílias tidas como tradicionais.

Entrevistada pelo Diário da Amazônia, a pesquisadora Suzi Shen Alcântara Pires argumentou que, no que tange à questão da ivisibilidade feminina, nos livros de história regionais, “é lamentável. Isso só afirma o preconceito, ou desvalorização, do tema pela própria sociedade. Pouco ou nada se narra sobre atividades desenvolvidas pelas mulheres que muitas vezes faziam as mesmas atividades realizadas por homens”, comenta.

O seringueiro recebia do seringalista uma mulher para ajudá-lo nas atividades domésticas. Ela se tornava sua companheira.

O seringueiro recebia do seringalista uma mulher para ajudá-lo nas atividades domésticas. Ela se tornava sua companheira.

Livro “o espaço ribeirinho” fala de mulher no seringal

A pesquisadora Maria das Graças Silva fala em seu livro “O Espaço Ribeirinho, sobre um dos momentos mais críticos da presença do migrante na região de Porto Velho. Entre os assuntos que a autora elege como de maior significância, está o tópico “O Trabalho da Mulher no Corte da Seringa”. Segundo ela, em sua obra, o trabalho da mulher no seringal incorpora uma sobrecarga de atividades que vai da coleta do látex e defumações, aos afazeres domésticos, tais como cuidar da casa, família, roça e das criações domésticas. A autora explica ainda que a participação da mulher na sociedade do seringal aconteceu de diversas formas. Uma delas, um tipo de prostituição, onde o próprio seringalista oferece mulheres para acompanhar o seringueiro solteiro nas colocações. Empregada do barracão, tornava-se companheira do seringueiro que não podia maltratá-la. Em caso de maus-tratos, a mulher retornava ao barracão aguardando para servir a outro segingueiro.

Mulheres se inserem e começam a tomar decisões públicas

Ana carla da silva,  Geógrafa

Ana carla da silva,
Geógrafa

Para a pesquisadora Ana Carla da Silva, do campo da Geografia, a mulher vem ganhando espaço e restabelecendo o paradigma de sua constituição no ambiente das expressões culturais regionais. Segundo ela, que desenvolveu, durante alguns anos, investigação científica na região de Nazaré e Boa Vitória, distritos de Porto Velho, a mulher ainda não está à frente das decisões nesses espaços. Mas, aos poucos, vem se inserindo em contextos coletivos e espaços públicos que anteriormente eram visitados apenas pelos homens. Em sua abordagem, tratando das relações sociais de gênero em assentamentos rurais, desde o ano de 2010, Ana Carla diz que tem acompanhado a  comunidade, através de festejos, reuniões, dentre outros, buscando  compreender como homens e mulheres se organizam, tanto para produção, como no envolvimento em movimentos sociais e políticas públicas. “Interessante compreender como cada um ocupa este espaço. Como a mulher adentra nesse ambiente”, argumenta.  A pesquisadora diz ainda que o tradicionalismo, de geração para geração, é uma das travas para a quebra de mudança comportamental entre homens e mulheres.

 

Machismo e preconceito entre fatores de inibição feminina

solimaria lima Pesquisadora

solimaria lima
Pesquisadora

A pesquisadora Solimaria Lima, do campo da linguagem, Universidade Federal de Rondônia, questiona o fato da mulher ter sido sempre colocada em segundo plano no que se refere à memória histórica descrita em nossa literatura, de forma geral. Para ela, o esquecimento a que foi acometida, a mulher, tem algumas explicações que podem estar relacionadas ao interesse de dominação, bem como o machismo e a religiosidade. “Seguindo essa linha da história tradicional, nesse momento histórico de Porto Velho, não foi diferente, ficando assim as mulheres esquecidas. Conhecendo e analisando a história verificamos que a mulher tanto esteve presente como exerceu papel relevante, seja na própria família, seja na sociedade da época. Uma ação importante a ser feita seria o resgate das histórias dessas mulheres, possibilitando a elas o reconhecimento do papel por elas exercido naquele momento da história”, argumenta Solimaria Lima. Para a pesquisadora, a mulher não tem essa invisibilidade histórica apenas em Rondônia. Esse fator está embrenhando em toda a cultura nacional e, principalmente em regiões mais afastadas dos grandes centros do País.

  • Enquete

Abaixo, enquete com 50 moradores sobre as publicações, livros de história regional. Três motivos da não presença das mulheres nesses livros:

camila lima,  Pesquisadora

camila lima,
Pesquisadora

Nossa sociedade ainda é muito machista e, por isso mesmo, a mulher ainda encontra dificuldade para se situar na história. Tem sido sempre esquecida pelos nossos historiadores. Mas, somos atuantes. Um exemplo é a ‘Dona Labibe’, a primeira atriz de Porto Velho. Essa é uma demonstração de que ainda estamos dando os primeiros passos na questão de reconhecimento e presença. Ainda somos uma região em formação e, certamente, com o passar dos anos, isso será superado. O centenário da cidade foi comemorado recentemente e, isso também mostra que as conquistas estão apenas começando. Principalmente para a mulher que precisa se apresentar cada vez mais e exigir seu espaço. São apenas 100 anos, na configuração oficial de cidade, e também os aspectos referentes à construção de identidade ainda estão ganhando terreno. Na história, se ainda não somos lembradas como deveria, cabe aos novos historiadores marcar essa presença com mais responsabilidade e justiça.

 

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