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Diário da Amazônia

OAB chama de ‘estrada tenebrosa’ comemoração do golpe de 64

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se somou ao Ministério Público Federal (MPF) e à Defensoria Pública da União (DPU) e criticou a..

Por Extra
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Publicado: 27/03/2019 às 15h36min | Atualizado 27/03/2019 às 15h37min

Foto: Lucas Tavares / Agência O Globo

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se somou ao Ministério Público Federal (MPF) e à Defensoria Pública da União (DPU) e criticou a determinação do presidente Jair Bolsonaro para que os quartéis comemorem o golpe militar de 1964, que completa 55 anos no próximo 31 de março. O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, disse que comemorar o golpe é mirar uma “estrada tenebrosa” e que a iniciativa do presidente da República acentua as divisões no país.

“Comemorar a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa é querer dirigir olhando para o retrovisor, mirando uma estrada tenebrosa”, afirmou o advogado, por meio de sua assessoria de imprensa. “Não podemos dividir ainda mais uma nação já fraturada: a quem pode interessar celebrar um regime que mutilou pessoas, desapareceu com seus inimigos, separou famílias, torturou tantos brasileiros e brasileiras, inclusive mulheres grávidas? Não podemos permitir que os ódios do passado envenenem o presente, destruindo o futuro”, disse o presidente da OAB.

Segundo Santa Cruz, o cenário atual é de crise econômica, com quase 13 milhões de desempregados. Por isso, segundo ele, é preciso “olhar para a frente” e tratar do “futuro do povo brasileiro”.

Ontem, num texto duro, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – colegiado que funciona no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR) – criticou a decisão de Bolsonaro de determinar a comemoração do golpe que implantou a ditadura militar no Brasil a partir de 31 de março de 1964. A DPU, por sua vez, ingressou com ação civil pública contra a União, pedindo que as Forças Armadas se abstenham de qualquer comemoração do golpe.

A nota pública assinada pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e por três procuradores auxiliares afirma que “festejar a ditadura é festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos”. “Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo de repercussões jurídicas”, diz a nota.

EFEITO PRÁTICO

Bolsonaro, que admira e exalta regimes militares na América Latina, determinou que os quartéis comemorem o 31 de março e os 21 anos de ditadura militar no Brasil. Reportagem publicada no site do Jornal O GLOBO na tarde de terça-feira revelou que a determinação terá um efeito prático nos principais comandos militares.

Uma cerimônia será realizada, distinta do que era feito em anos anteriores. Generais ouvidos pela reportagem preferem evitar o termo “comemoração”, mas falam em “lembrança de um fato histórico”. A cerimônia vai contar com tropas em forma em quartéis; aviso pelo mestre de cerimônia de que os militares estão ali para “relembrar um fato histórico ocorrido em março de 64”; execução do Hino Nacional; leitura da chamada ordem do dia, que é um texto elaborado pelo Ministério da Defesa; e desfile para encerrar o evento. No Exército, houve quem sugerisse tiros de canhão ao fim da cerimônia, o que acabou descartado por líderes dos comandos militares, conforme as fontes ouvidas pela reportagem.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A PFDC afirma na nota pública que a defesa de crimes constitucionais e internacionais – como um golpe militar – pode se caracterizar um ato de improbidade administrativa. Os procuradores federais dos Direitos do Cidadão afirmam “confiar” que as Forças Armadas e “demais autoridades militares e civis” deixarão de celebrar o golpe militar de 1964 e cumprirão seus “papéis constitucionais” na defesa do Estado Democrático de Direito. “Seria incompatível com a celebração de um golpe de Estado e de um regime marcado por gravíssimas violações aos direitos humanos.”

Se a recomendação de Bolsonaro para que se comemore o golpe tem sentido de “festejar”, trata-se de um ato de “enorme gravidade constitucional”, conforme a PFDC. “O golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional. Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático previsto na Constituição.”

O colegiado vinculado à PGR lembra que a Comissão Nacional da Verdade foi instituída por lei e seu relatório final, concluído no fim de 2014, é a versão oficial do Estado sobre o que aconteceu nos 21 anos de ditadura militar. “Nenhuma autoridade pública, sem fundamentos sólidos e transparentes, pode investir contra as conclusões da comissão, dado o seu caráter oficial”, diz a nota da PFDC.

Agentes da ditadura mataram ou fizeram desaparecer 434 opositores do regime e 8 mil indígenas, como cita a PFDC. Entre 30 mil e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas, afirma o colegiado. “Esses crimes bárbaros (execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais) foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição social. Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República.”



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