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RONDÔNIA

Especialistas preveem nova enchente

O rio Madeira vai transbordar outra vez? Esta é a grande preocupação dos ribeirinhos e dos pescadores que ainda sofrem com os prejuízos..

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Publicado: 30/08/2014 às 12h48min

Bairro Milagres em Porto Velho praticamente sumiu com a cheia histórica que atingiu Rondônia no ínicio do ano. Minhares de família tiveram que deixar as residência devido à cheia(Foto: Jota Gomes/Diário da Amazônia)

Bairro Milagres em Porto Velho praticamente sumiu com a cheia histórica que atingiu Rondônia no ínicio do ano. Minhares de família tiveram que deixar as residência devido à cheia(Foto: Jota Gomes/Diário da Amazônia)

O rio Madeira vai transbordar outra vez? Esta é a grande preocupação dos ribeirinhos e dos pescadores que ainda sofrem com os prejuízos causados pela cheia histórica que aconteceu no estado de Rondônia, este ano. Mais de 30 mil pessoas foram atingidas direta e indiretamente, além da Capital rondoniense, muitos municípios e distritos também foram inundados. Este acontecimento despertou a atenção da comunidade científica que tem realizado constantes pesquisas sobre o comportamento do Madeira. Nesta reportagem, especialistas de órgãos públicos estaduais e federais, sediados em Porto Velho, traçam um perfil do atual momento do rio, com base em dados técnicos de monitoramento diário.

O rio Madeira nasce na Cordilheira dos Andes com o nome de rio Beni. Inicia a descida nas cordilheiras e segue em direção ao Norte para o encontro com o Guaporé. Segue o curso natural, chega em nosso Estado e é aqui, que de fato, se transforma num rio de planície que traça uma divisória entre dois países: Brasil e Bolívia. Estudiosos da hidrografia amazônica explicam que o Madeira recebe este nome, porque no período de chuvas o seu nível sobe e inunda grandes porções da planície florestal, trazendo troncos e restos de madeiras que são negociadas e transportadas às custas do próprio rio. Além disso, há centenas de famílias ribeirinhas que vivem e sobrevivem da pesca. A atividade pesqueira é de grande importância para o comércio de Porto Velho e Estados circunvizinhos.

Rua Rogério Werb é tomada pelo rio Madeira(Foto: Jota Gomes/Diário da Amazônia)

Rua Rogério Werb é tomada pelo rio Madeira(Foto: Jota Gomes/Diário da Amazônia)

 

PERCURSO DO MADEIRA  INDEFINIDO

Durante a estação chuvosa – de dezembro a maio, ao mesmo tempo em que o rio enche com as águas das chuvas é também invadido pelas águas do Amazonas, alagando todas as cachoeiras em seu leito, até formar um espelho de água que invade florestas, cobrindo as praias e toda a planície amazônica. Nesse momento, o Madeira deixa de ser um simples tributário do rio Amazonas e se torna um canal de navegação dependente desta confluência. O Madeira é considerado um rio jovem. Isto indica, segundo estudos específicos da hidrografia da região, que ele ainda está traçando seu percurso. Por isso, entre a estação chuvosa e a seca o rio varia bastante de profundidade.
A população rondoniense – principalmente aqueles que foram atingidos diretamente pela enchente do rio Madeira e que ainda estão passando por sérias dificuldades – recebe, a seguir, informações sobre as expectativas para o próximo período chuvoso no Estado. Há possibilidade de enchente em 2015? A doutora em Geotecnia Ambiental e especialista em recursos hídricos da Agência Nacional de Águas, Ana Cristina Strava – que também é coordenadora de Operações do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam-RO) esclarece:

Coronel Pimentel explica problemas causados pela cheia(Foto: Roni Carvalho/Diário da Amazônia)

Coronel Pimentel explica problemas causados pela cheia(Foto: Roni Carvalho/Diário da Amazônia)

Diário – Como é feito o monitoramento do rio?

Ana Cristina Strava – O Sipam não é o responsável pela obtenção dos dados primários, quanto ao nível do rio. Esses dados são coletados duas vezes por dia, todos os dias, pelo pessoal da CPRM – serviço geológico do Brasil, residência de Porto Velho. Nós temos acesso porque estamos integrados com a CPRM, a ANA, o Cenad – uma rede de monitoramento e avaliação. A gente recebe essas informações diariamente e é assim que conseguimos captar informações a respeito da ocorrência de chuvas nos afluentes do rio Madeira, Beni, Mamoré e Guaporé. Com isso podemos montar os gráficos que dão notícias de precipitação nas três grandes bacias e a precipitação total. Choveu lá, vai chegar aqui. Os rios são interligados. Em julho – o mapa indica que tivemos uma sequência de 10 dias sem chuvas e depois vieram aquelas que estavam concentradas. O que aconteceu nesse momento? Coincidiu com a entrada das frentes frias. Aqui também choveu. Quando chove nos rios Madre de Dios e no Beni, o acúmulo de águas consegue elevar o nível do rio Madeira. Recebemos essas chuvas no formato que o pessoal chama de “repique”. Mas, se observarmos na série histórica podemos identificar que isso é uma dinâmica do Madeira; os próprios pescadores já conhecem o repique – conhecido como degelo. Porém, é preciso lembrar que o degelo não faz o rio se elevar acima de dois metros. O degelo contribui, mas quem faz o rio transbordar é o volume de chuvas. O degelo acontece aos poucos e de forma constante.

Diário – Os pescadores estão preocupados com a possibilidade de outra enchente em 2015, porque afirmam que o nível do rio Madeira está muito alto, para esta época do ano. Como analisa essa expectativa dos ribeirinhos?

Strava – Quando chove a situação é diferente. O processo é: as águas vão escorrer pelos bueiros, que seguem para os igarapés e vão desaguar no rio. A série histórica nos mostra que repiques são esperados; são típicos e acontecem sempre. Aconteceu no ano passado. Aliás, o ano de 2014 quebrou todos os recordes dos últimos 50 anos. Hoje podemos nos tranquilizar? Não! O nível do rio, de fato, está

muito alto para a época, porque foi muita chuva e essa água ainda não escoou toda. Essa água toda precisa de tempo para se espalhar, para escoar. A preocupação nossa é essa: que as águas escoem e que o rio ganhe calha. De fato, final de setembro e começo de outubro o rio pode subir. Nossa esperança é que nesse período as chuvas aconteçam abaixo da média, pra que a gente consiga ter fôlego para receber a estação chuvosa. E o próximo ano – vai ser a mesma coisa? Só se chover a mesma quantidade e diga-se de passagem que foi uma quantidade absurda! Não acredito que teremos uma cheia com a mesma proporção; mas, há possibilidade, sim, de transbordamento. A cultura do ribeirinho é morar próximo do rio; o ribeirinho tem que continuar ali. Por outro lado, há uma parcela da população urbana que aceita morar em área de risco de inundação – como no centro da cidade onde houve a invasão das águas. As casas foram construídas numa área onde a água vai chegar por baixo das construções e por cima, caso o Madeira transborde.

Diário – Há alguma forma de evitar que isso aconteça outra vez?

Strava – Em relação aos estudos hidrológicos, a minha visão técnica é de que os ribeirinhos sabem que estão em área de risco; eles constroem as casas sobre palafitas; mas, eles dominam esse conhecimento. A gente pode mapear até onde vai essa área de risco, para que eles não se surpreendam e também para que as pessoas que fizeram suas casas de alvenaria sejam devidamente informadas e não sejam mais uma vez prejudicadas.

Diário – Qual a sua palavra para as autoridades da administração pública municipal e estadual?

Strava – Planejamento urbano. Isso é necessário! É preciso definir até quando se quer proteger a população. Nessa cheia histórica não houve perdas de vidas; isso por causa da antecipação, das informações compartilhadas, diariamente, com a Defesa Civil. Todos nós fomos testados com uma cheia sem precedente. Não ter havido mortes, sinceramente computo a esse esforço conjunto de monitoramento. A cooperação entre os órgãos competentes. Temos inclusive um estudo para os igarapés. A gente nota que os igarapés estão cada vez mais solicitados, em termo de capacidade. Eles não têm mais capacidade de escoar a água sem transbordar. Por quê? Porque antes a floresta absorvia as chuvas e as raízes filtravam as águas; somente uma parte das chuvas que caía em Porto Velho seguia para os igarapés. Agora 100% do que chove tem grande chance de escoar para eles. Então, temos que considerar que uma coisa é o ribeirinho, o pescador, que mora na zona rural – ele domina a tecnologia para morar à beira do rio. Outra coisa é equipamento urbano. Uma cidade foi construída às margens do rio. Existe, portanto, um alto risco de inundação. Isso precisa ser repensado.
O coordenador da Defesa Civil de Porto Velho, coronel José Pimentel, também considera que o trabalho conjunto desenvolvido por vários órgãos públicos, para atender à população atingida pela enchente, foi fundamental e contribuiu para que não houvesse vítimas fatais. Pimentel esclarece que é preciso continuar com as atividades de acompanhamento climático que podem prevenir riscos futuros.

Coronel José Pimentel – Estamos atentos ao comportamento do Madeira. O que está acontecendo nesse mês de agosto é uma diferença de cota média de três metros a mais em relação ao mesmo período do ano passado e dos anos anteriores. Para setembro, espera-se a cota mínima do rio que é de 2,5 metros, mas hoje ainda estamos com 7,40 metros, ou seja, em relação a mesma data do ano passado temos uma diferença elevada em torno de quatro metros; significa dizer que no próximo mês nós não vamos ter essa cota mínima de até três metros – que é uma cota que nos permitiria iniciar um trabalho de contenção.

Diário – Qual a preocupação da Defesa Civil, no momento?

Pimentel – A maior preocupação da Defesa Civil do município, hoje, é em relação a contenção da margem direita do rio Madeira; claro que a margem esquerda existe um trecho que também está sob previsão de contenção, porque temos duas comunidades aqui a frente: a de São Sebastião e a de Boa Fé. O lado direito – que vai da usina, passando pelo Triângulo até a ponte – é uma área bastante crítica, sobretudo na região do Triângulo, Cai N’água e da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Esse de fato são os pontos mais críticos. Sabemos que em função dessa localidade ter ficado debaixo das águas durante três meses e onde houve um processo de assoreamento muito grande, com áreas que chegaram a ter quase dois metros de sedimentos, os problemas daquelas localidades demandam mais atenção e trabalho. Esses são fatores preocupantes, aliados à mudança climática, que se avizinha. Temos conversado com os órgãos meteorológicos, sobretudo o Sipam e os técnicos têm nos enviado boletins todos os dias. A nossa atenção, portanto, é com essa cota mínima. Aliado a isso temos outros fatores importantes, como o sedimento, por exemplo. O rio está assoreando a montante e assoreando a jusante, ou seja, principalmente abaixo dos consórcios das usinas de Jirau e Santo Antônio.

Diário – Quais as prioridades do governo municipal?

Pimentel – Uma primeira ação que prefeitura vem desenvolvendo e que nós tomamos conhecimento é em relação à medida emergencial. Do que se trata? É a obra de contenção da margem direita do rio Madeira. Essa contenção visa colocar as pedras de forma escalonada; diferente do que foi feito. É uma proposta para que seja realizado um trabalho em conjunto. Deve haver uma coparticipação, uma corresponsabilidade da sociedade civil, do poder público, da iniciativa privada e dos consórcios das usinas Jirau e Santo Antônio. Independente de dizer se as usinas têm responsabilidade direta ou não! A questão é que existe uma corresponsabilidade, porque tivemos um evento – que foi a enchente -; este fato desencadeou vários outros eventos na área ambiental: desacoplamento de barrancos, perda de estabilidade de terreno e de cunho social e econômico. Nós estamos de prontidão, mesmo porque o nível do rio continua elevado e precisamos nos preparar para a chegada da estação chuvosa e a perspectiva de que haja outra enchente do Madeira é real.

FATORES QUE ELEVAM O NÍVEL DO RIO MADEIRA 

O coordenador Pimentel explica que há muito sedimento acumulado pela enchente, porque o Madeira é um grande concentrador de sedimentos e esse material vai se acomodando ao longo do rio, gerando equilíbrio ao seu curso. Há trechos onde naturalmente ocorre erosão e as margens caem. Em outros, aparecem formações como bancos de areia. O trecho de Porto Velho, por exemplo, era uma área de sedimentação. Porém, com o desequilíbrio na movimentação de sedimentos, as reservas passaram a reter mais elementos e houve o surgimento de novas zonas de erosão.

Como acontece o processo de sedimentação? Quando a água de um rio entra num reservatório, a velocidade dessa água diminui subitamente e as maiores partículas suspensas precipitam para o fundo. Ao mesmo tempo, as partículas maiores na carga do leito (por exemplo, a areia grossa) param de se deslocar e formam bancos de areia. Grandes acumulações de material geralmente formam nas extremidades superiores dos reservatórios, mesmo em rios onde a quantidade de sólidos transportada é apenas uma pequena fração da quantidade encontrada no rio Madeira. Este acúmulo atua como uma espécie de barragem, represando a água do rio, consequentemente, elevando o nível da água.

PRIORIDADE NÚMERO UM PARA TÉCNICOS 

As preocupações elencadas pelo coordenador da Defesa Civil da Capital é pertinente e corroboram com as análises elaboradas pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal (MPs), Defensorias Públicas (DPs) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RO) que se reuniram com um grupo de especialistas, em maio deste ano, para discutirem sobre a necessidade de novos estudos de impactos, causados pela construção das usinas do complexo Madeira. Entre as questões analisadas pelos técnicos, na ocasião, está a suspensão de sedimentos. Para a comunidade científica, esse ponto está classificado como sendo de prioridade número um. Entretanto, no EIA/Rima – Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental – a questão foi classificada como prioridade de número 14, considerando a ordem de importância dos impactos. As diferenças repetiram-se com relação à perda de biodiversidade aquática. Para os cientistas esta deveria ser considerada como segunda prioridade, seguida do regime hidrológico, que estaria em terceiro lugar. Porém, os mesmos critérios colocaram ambos, respectivamente, em 63ª e 12ª posições de importância.

O grupo de especialistas veio a Porto Velho acompanhar a produção de novos estudos por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama-RO), em atendimento à medida liminar concedida em Ação Civil Pública, proposta pelos MPs, DPs e pela OAB-RO. Em março deste ano, a Justiça Federal determinou que as hidrelétricas do Madeira fizessem novos estudos sobre os impactos de suas barragens. Esses estudos devem ser supervisionados pelo Ibama e pelos órgãos públicos responsáveis (Iphan, Agência Nacional de Águas, Dnit, entre outros). Além desses agentes públicos, os estudos também devem ser acompanhados por engenheiros, agrônomos, geólogos, sociólogos e outros especialistas indicados pelas instituições e custeados pelos consórcios. Caso não cumpram a decisão, as licenças de operação das usinas podem ser suspensas pela Justiça Federal.

Por Edilene Santiago



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