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Diário da Amazônia

Aquecimento pode devastar o Sul da Amazônia

Os incêndios florestais devem continuar se intensificando, mesmo que não haja novos desmatamentos.

Por Por Estadão Conteúdo
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Publicado: 19/01/2020 às 08h41min | Atualizado 19/01/2020 às 10h34min

Se a Amazônia atingiu, em agosto do ano passado, o maior número de focos de queimadas desde 2010, mesmo com uma temporada relativamente úmida, imagine o que poderia acontecer se o clima estivesse mais quente e seco. Foi esse o quadro que um grupo de cientistas buscou desenhar, e o resultado foi preocupante: com o agravamento do aquecimento global, incêndios florestais poderão destruir até 16% do sul da Amazônia até 2050, liberando até 17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera. Nesse cenário, a floresta, que hoje funciona como uma espécie de armazém de carbono, pode se tornar um grande emissor do principal gás responsável pelo aquecimento global, piorando ainda mais o problema, o que pode, por sua vez, intensificar a destruição da floresta, em um perigoso processo de retroalimentação.

A pesquisa, feita por cientistas no Brasil e nos Estados Unidos, considerou modelagens matemáticas para estimar como o aumento das temperaturas e da estiagem, provocados pelas mudanças do clima, podem deixar mais propícios os incêndios da vegetação na porção sul da Amazônia e como tudo isso pode se relacionar com o desmatamento. A floresta tropical úmida não pega fogo sozinha. Quando se fala de queimadas na região, é porque alguém acendeu o fósforo. No ano passado, por exemplo, o alto número de focos de fogo registrado em agosto na Amazônia se deveu em sua maior parte à queima de árvores já derrubadas no intenso processo de desmatamento que ocorreu nos meses anteriores.

Essas chamas muitas vezes se espalham e acabam atingindo também a floresta em pé. Quando ela está saudável, esse incêndio é mais difícil de se propagar, mas se a vegetação está degradada e esse fogo ocorrer em uma temporada de seca mais intensa, a condição para a fogueira perfeita está formada. É desse incêndio florestal de que se trata o estudo. Da “tempestade de fogo que se aproxima no sul da Amazônia”, como o grupo de cientistas resumiu no título da pesquisa publicada na revista Science Advances. Os pesquisadores, liderados por Paulo Brando, da Universidade da Califórnia, em Irvine, e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), trabalharam com modelagens matemáticas para ver como as interações entre mudanças climáticas e desmatamento afetam a quantidade de terra queimada e de gases de efeito estufa emitidos em incêndios florestais em uma área de 192 milhões de hectares.

Somente a porção sul da floresta foi considerada no estudo por já ser uma área mais seca e também por estar mais degradada. É a área que coincide com o chamado arco do desmatamento, por onde ocorre a expansão da fronteira agrícola no Acre, sul do Amazonas, Rondônia, norte do Mato Grosso e sul do Pará. O grupo observou que, apesar de a floresta primária ficar protegida da maior parte das queimadas provacadas por humanos por causa do seus sub-bosques úmidos, o modelo projeta que essa umidade vai diminuir com o passar do tempo, tornando essas florestas cada vez mais vulneráveis.

O trabalho indica que os incêndios florestais devem continuar se intensificando no sudeste da Amazônia em cenários de mudanças climáticas, mesmo que não haja novos desmatamentos. Comparando com dados da década de 2000, o fogo simulado para as próximas décadas queimaria áreas maiores, liberando mais energia e emitindo mais CO2 na atmosfera. A estimativa é que a área de florestas em risco de queimar com a seca vai dobrar até 2050 em relação aos anos 2010.

Se nessas condições ainda se somarem mais desmatamentos, todo esse quadro piora. A área queimada chegaria a 22,3 milhões de hectares, com emissão bruta de 17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. O Brasil hoje, como um todo, emite cerca de 1,9 bilhão de toneladas de CO2 por ano. “Por isso defendemos que reduzir o desmatamento é essencial para reduzir a probabilidade de fogo no sudeste da Amazônia nas próximas décadas”, disse Brando.

O trabalho, que contou com pesquisadores da Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal da Minas Gerais, da Nasa e do Woods Hole Research Center, calculou que esforços de prevenção de desmatamentos podem reduzir a área florestal queimada em até 30% e reduzir as emissões de gases de efeito estufa por incêndios na região em 56%. “Nossa análise mostra que precisamos de uma abordagem dupla para proteger as florestas remanescentes das pressões crescentes do desmatamento para expansão agrícola e do risco de incêndio causado pela mudança do clima. Regionalmente, decisões que reduzam o desmatamento, impeçam a fragmentação da floresta e evitem fontes de ignição para incêndios, amortecerão as bordas da floresta contra as atividades de queimadas”, complementa o pesquisador Doug Morton, da Nasa, também autor do estudo.

Os pesquisadores consideram que a atividade generalizada de queimadas que ocorreu no ano passado na Amazônia para limpeza de áreas já desmatadas poderia ter desencadeado incêndios ainda maiores e mais danosos se o clima estivesse mais seco. A temporada no ano passado foi mais úmida em outros anos. Para os pesquisadores, o que está acontecendo agora com os incêndios na Austrália deveria ser encarado como um sinal de alerta para o Brasil.



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