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Trabalhador braçal decide conhecer o Brasil a pé

Jornalista vive de boas histórias. São elas que alimentam as sensações de cada repórter, e movem as redações de jornais mundo afora...

Publicado: 08/02/2015 às 04h00
Atualizado: 28/04/2015 às 17h53

Francisco Coelho Filho, às vésperas de completar 50 anos, anda pelo País, sem dinheiro guardado e poucas posses

Francisco Coelho Filho, às vésperas de completar 50 anos, anda pelo País, sem dinheiro guardado e poucas posses

Jornalista vive de boas histórias. São elas que alimentam as sensações de cada repórter, e movem as redações de jornais mundo afora. Não importa sua dimensão, muito menos a forma como ela chegou até os escribas. O que traz arrepios a cada um que está nesse ofício são os detalhes que compõem os mais variados casos que passam pela vida de qualquer comunicador. Cada uma das matérias veiculadas pela imprensa tem uma forma, jeito, e personagens exclusivos que trazem à profissão seu charme que precisa urgentemente voltar à tona. São as boas histórias que ditam o ritmo de um jornalista que vive verdadeiramente sua profissão. São elas que aceleram o passo, e principalmente os dedos daqueles que são intermediadores de seu público em cada detalhe que existe no mundo, e muitas vezes passa despercebido, mas que ganha vida, e se torna um capítulo da história dos homens quando um jornalista consegue ter a sensibilidade de enxergar e apresentar ao seu público, tanto faz se essa história for impressa em papel, emplacada pelas ondas do rádio, pela TV ou pela gigante, e verdadeiramente imparcial, rede mundial de computadores.

Mais parecia um dia de trabalho como outro qualquer. O tempo estava bom, apesar de o dia não ser dos mais bonitos. As nuvens carregadas poderiam despejar água a qualquer momento. A equipe de reportagem do Diário da Amazônia chegou ao trevo que liga a BR-364 ao município de Colorado do Oeste para cobrir uma outra história, a qual tinha como personagem um grupo de caminhoneiros que reivindica melhoria do preço do combustível. Uma pauta simples. No meio do trevo um grupo de policiais rodoviários federais estava aglomerado. Os uniformes caquis contrastavam com o preto dos coletes à prova de balas, coturnos, e fuzis que poderiam ser utilizados para conter os ânimos. A rodovia movimentada dificultava a atualização do olfato, que ora sentia o cheiro forte dos pneus queimados em decorrência do atrito com o chão, outrora passava pela terra jogada em minúsculos fragmentos pelo deslocamento dos caminhões, mas sempre arremetido ao cheiro inconfundível de terra e mato molhados.

De um lado as autoridades com seus uniformes, trabalhando para manter a ordem; do outro motoristas e donos de caminhões, revoltados pelo alto preço dos impostos, dos combustíveis, e por terem que sair do local que escolheram para manifestar. A audição remete diretamente aos dois lados, e o barulho infernal de um caminhão se movimentando atrapalha a compreensão das informações repassadas pelas pessoas envolvidas no fato. Porém, a figura que mais chamou a atenção dentro deste contexto estava justamente no meio. Mais notadamente embaixo de um pequeno ponto de espera coberto por concreto, tinta e escritos feitos por estudantes que o utilizam enquanto esperam a boa vontade de um motorista para lhes oferecer carona. Mal cheiroso, usando trapos e olhando tudo em volta com a maior tranquilidade do mundo, como a de um bebê que diante do perigo não consegue ter medo, apenas curiosidade que poderá lhe servir de ferramenta para adquirir bagagem de vida em sua história, estava o andarilho Francisco Coelho Filho.

Ponto de ônibus na estrada virou “residência” temporária por causa do mau tempo

Ponto de ônibus na estrada virou “residência” temporária por causa do mau tempo

Às vésperas de completar 50 anos de idade, o sujeito estava naquele local não para manter a ondem, muito menos para protestar. Apenas por exigência do tempo, que lhe obrigou a buscar abrigo em qualquer canto, para esperar a chuva passar de vez. Francisco acabou sendo testemunha ocular da história, exatamente como dizia ser o velho Repórter Esso. Ele passou a noite de quinta-feira, 5 de fevereiro, debaixo daquele ponto. “E do jeito que está o tempo vou passar a sexta-feira também”, disse olhando pro céu sem nenhuma preocupação aparente, apenas aceitando a generosidade da natureza. Ele conta que sempre foi trabalhador braçal, peão das lidas mais pesadas que existe Brasil afora e que emprega tanta gente. Francisco, que largou a mulher pouco antes de começar sua aventura, e nunca teve filhos, segundo ele em decorrência de uma hepatite B contraída ainda quando jovem (a sua cultura não permitiu que ele fosse pai porque temia que os filhos nascessem com a doença) decidiu percorrer o Brasil para conhecer essa pátria que todos dizem ser dele também.
Sem dinheiro guardado, com pouquíssimas posses que lhe rendessem o custeio da aventura, não encontrou outra forma de matar a vontade que lhe bateu senão a pé, com a força do próprio corpo, através da resistência adquirida ao longo da vida pobre a custo de muito trabalho no campo. Ele conta que o desejo de viajar lhe foi tomado através da TV, daqueles programas que mostram belos lugares e paisagens incríveis, que passam mensagens positivas, e que diz que o homem não pode morrer sem deixar de visitar aquela região.

Nove meses

“Ainda bem que você me lembrou. Está na hora do meu café da manhã”, brinca com um caminhoneiro que acompanhou toda a conversa da equipe de reportagem com o andarilho, que não se faz de rogado ao tomar uma talagada de aguardente. “Estão servidos?” Pergunta. Depois de nove meses caminhando e conhecendo o Brasil de verdade, a trajetória deste personagem está chegando ao fim. Sua meta, depois que voltou a Rondônia pela segunda vez (ele esteve no Estado entre 1982 a 1987) é se aportar no município de Cacoal, “ou Rolim de Moura”, diz em dúvida. Ele quer arrumar um emprego e retomar a antiga rotina de trabalho na lavoura

Com a garrafa que afirma esquentar as noites de frio

Com a garrafa que afirma esquentar as noites de frio

Andarilho conheceu nove estados da federação 

Com um saco velho, amarrado com um pedaço de borracha, fazendo as vezes de mala, Francisco seguiu seu rumo, e iniciou sua aventura. O paranaense de Jandaia do Sul, criado em Curitiba (PR) conheceu nove Estados da federação “na canela”. “Eu peguei carona três vezes. Mas a maioria do caminho foi a pé”, relata. Percorrendo uma média de 30 quilômetros por dia o andarilho diz que nunca passou perrengues, e nunca teve dificuldade que lhe fizesse desistir da jornada. Francisco Coelho Filho aprendeu um ensinamento que muita gente talvez nunca tentará entender. Ele descobriu que se vive bem, realizando seus sonhos, com pouco, e ainda dividindo o que tem. Comida? Ele consegue com quem também está na estrada. “Sempre consegui comer. As pessoas oferecem refeições, e os restaurantes nos deixam comer os restos”, explica como faz para se alimentar.

Perguntado sobre o que tinha para comer naquela sexta-feira, o homem cujas expressões são mais velhas do que sua idade, fala com alegria que lhe sobrou uma sacola de pão, e um pouco de leite, deixados pelos manifestantes próximo à sua moradia temporária. Outro motivo de felicidade de Francisco foi uma coberta abandonada que encontrou ao lado do ponto de condução. Mesmo encharcada por causa da chuva que caíra na madrugada anterior, o objeto fora estendido para pegar o mínimo de sol que fazia. “Essa está muito boa. Melhor do que a que eu tinha”, relata. A antiga coberta fora roubada no município de Comodoro (MT) enquanto Francisco dormia. Ele não sabe quem foi. Pois bem, acompanhado por um saco velho e surrado, uma boa coberta, e um boné para lhe proteger do sol, a felicidade só fica completa quando abre sua mala e pega o corote de pinga.

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